E' Vinte e três de abril,
1500, o sol acaba de nascer. Lá está a terra Descoberta, a foz de um rio e um
punhado de indivíduos bronzeados andando pela praia. Os capitães se reúnem na
Caravela de Cabral. Pero Vaz de Caminha, na carta que enviaria depois ao Rei Dom
Manoel, conta que Cabral, como primeira medida, resolve mandar um pequeno barco,
com Nicolau Coelho, ver o lugar de perto. Junto à boca do rio, dezoito ou vinte
homens se aproximaram do escaler,
A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons
narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de
encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca
disso são de grande inocência"todos nus, sem nenhuma coisa que lhes cobrisse
suas vergonhas". Os homens traziam arcos e setas, mas a um sinal dos portugueses
baixaram as armas.
Ai deu-se então uma troca de presentes entre descobridores e indígenas. Nicolau
Coelho deu-lhes um barrete vermelho, uma carapuça de linho e um chapéu preto: e
recebeu em troca um cocar de plumas compridas, que terminava com penas vermelha
e castanhas, e um colar de pequenas contas brancas. Depois disso, o português
voltou a bordo.
A noite foi de chuva e ressaca, tornando impraticável o desembarque. Levantou-se
grossa ventania, sendo recolhidas todas as ancoras. Era preciso encontrar porto
mais seguro. Por isso a armada subiu a costa durante todo o dia seguinte, com os
navios menores à frete.
Após viajar 10 léguas, encontraram "um arrecife com um porto dentro, muito bom e
muito seguro, (a atual baía de Cabrália, entre a ilha da Coroa Vermelha e a baía
rasa de Santa Cruz, no Estado da Bahia). Ancoraram ali, e Cabral mandou à terra
seu piloto Afonso Lopes, para fazer sondagens a toda volta da baía. Ao voltar,
Pero Vaz de Caminha assim os descreve:
E tomou dois daqueles homens da terra levou-os à Capitaina, onde foram recebidos
com muito prazer e festa.
O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, aos pés uma
alcatifa por estrado; e bem vestido, com um colar de ouro, mui grande, ao
pescoço.
E Sancho de Tovar, e Simão de Miranda, e Nicolau Coelho, e Aires
Corrêa, e nós outros que aqui na nau com ele íamos, sentados no chão, nessa
alcatifa. Acenderam-se tochas. E eles entraram. Mas nem sinal de cortesia
fizeram, nem de falar ao Capitão; nem a alguém.
Todavia um deles fitou o colar
do Capitão, e começou a fazer acenos com a mão em direção à terra, e depois para
o colar, como se quisesse dizer-nos que havia ouro na terra. E também olhou para
um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o
castiçal, como se lá também houvesse prata!
Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na
mão e acenaram para a terra, como se os houvesse ali.
Mostraram-lhes um carneiro; não fizeram caso dele.
Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a
mão. Depois lhe pegaram, mas como espantados.
Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel, figos
passados. Não quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa,
logo a lançavam fora.
Trouxeram-lhes vinho em uma taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram dele
nada, nem quiseram mais.
Trouxeram-lhes água em uma albarrada, provaram cada um o seu bochecho, mas não
beberam; apenas lavaram as bocas e lançaram-na fora. Mas, apesar de tudo, os
visitantes pareciam sentir-se à vontade.
Caminha conta que eles se estenderam no tapete e se prepararam para dormir.
Cabral, amavelmente, mandou buscar almofadas para lhes por debaixo das cabeças e
com uma coberta cobriram sua nudez. O que teriam achado de tais confortos,
mingúem sabe.
No dia seguinte, pela manhã, depois de fundear mais próximo da terra, Cabral
mandou Nicolau Coelho e Bartolomeu Dias levarem de volta os dois homens, e deu a
cada um deles uma camisa nova, uma carapuça vermelha e um rosário de contas
brancas, que os índios enrolaram no braço, além de vários chocalhos e guizos. E
mandou com eles um criminoso condenado ao exílio, Afonso Ribeiro, que deveria
ficar em terra.
O Domingo, dia 25, amanheceu cheio de sol. Cabral pediu que fosse celebrada
missa e feito um sermão. E mandou que todos os capitães se preparassem e o
acompanhassem a uma ilhota verde, hoje Coroa Vermelha, dentro da baia, e com
toda tripulação presente, Frei Henrique celebrou a missa. Uma multidão de homens
nus olhava admirada e com grande interesse para estes seres sadios do mar que
entoavam canções tão estranhas.
Após a missa, em reunião na sua nau, com a presença de todos os comandantes e de
Caminha, Cabral decide enviar a notícia da descoberta ao Rei Dom Manual, pois
talvez ele quisesse mandar outra esquadra para reconhecer mais detalhadamente a
nova terra, ao invés de confiar essa tarefa a uma armada a cominho da Índia.
Para isso destaca o navio de mantimentos, comandada por Gaspar de Lemos.
Decidiu-se não enviar nativos para Portugal, mas deixa em terra dois degredados,
que poderiam servir de informantes quando um próximo navio chegasse.
A semana seguinte foi de explorações. Cabral esteve em terra várias vezes e
organizou diversas excursões para conhecer melhor o lugar. Houve brincadeiras,
danças, novas trocas de presentes. A beleza das mulheres causa admiração aos
português.
Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, com cabelos
muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão
cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não
se envergonhavam.E uma daquelas moças era toda tingida de baixo a cima, daquela
tintura e certo era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha tão graciosa que
a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhe tais feições envergonhara, por não
terem as suas como ela.
, assim como a vivacidade dos nativos
Terminadas as festas e brincadeiras, todos puseram-se a trabalhar. A tripulação
abasteceu as naus com lenha e água. Mestre João - o físico, com os pilotos e o
grande astrolábio, fez observações em terra, localizou a constelação do Cruzeiro
do Sul e escreve um relatório de tudo ao rei. Caminha continuou a escrever sua
longa carta.
A única coisa que faltava antes de partirem era deixar um padrão
que garantisse a terra para Portugal contra todos os que viessem. Para isso, os
carpinteiros fizeram uma cruz gigante a ser erguida na praia. E, a l.º de maio,
numa Sexta feira, esta cruz foi levada em processão até a margem. Tinhas as
armas de Portugal esculpidas, e foi colocada à entrada da floresta, debaixo de
qual se improvisaram um pequeno altar. E assim rezaram uma segunda missa, sob
olhar de aproximadamente 150 indígenas.
Caminha registra:
E quando se veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos
levantadas, eles se levantaram conosco, e alçaram as mãos, estando assim até se
chegar ao fim; e então tornaram-se a assentar, como nós. E quando levantaram a
Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim como nós estávamos, com
as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados que certifico a Vossa Alteza que
nos fez muita devoção.
Terminada a missa, iniciaram-se os preparativos para deixar aquela terra que
Cabral batizara de Vera Cruz, e Caminha assim escreveu:
Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, até à
outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será
tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa. Até agora
não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro;
nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados
Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a
aproveitar, dar-se-á nela tudo;