DIA DO FICO - 1821
O povo do Rio de Janeiro conhecendo que os interesses das Nações
reunidos em um centro comum de idéias sobre o bem Público devem ser os
primeiros objetos da vigilância daqueles, que estão revestidos do
caráter de seus Representantes, e de mais convencido de que nas
circunstâncias atuais se constituiria responsável para com as gerações
futuras, se não manifestasse os seus sentimentos à vista da medonha
perspectiva que se oferece a seus olhos pela retirada de Sua Alteza
Real, se dirige com a última energia à presença de Vossa Senhoria, como
seu legítimo Representante, esperando que mereçam toda a sua
consideração os motivos, que neste se expõem, para se suspender a
execução do Decreto das Cortes sobre o regresso de Sua Alteza Real para
a antiga Sede da Monarquia Portuguesa.
O Povo sempre fiel à causa comum da Nação, julga que não se desliza da
sua marcha representando os inconvenientes, que podem resultar de
qualquer providência expedida, quando ela encontre no local, em que deve
ser executada, obstáculos a esta idéia de prosperidade pública, que o
Soberano Congresso anunciou altamente à face da Europa, e que até o
presente tem sido motivo de nossa firme adesão aos princípios
Constitucionais. Na crise atual o regresso de Sua Alteza Real deve ser
considerado como uma providência inteiramente funesta aos interesses
Nacionais de ambos os Hemisférios. Não, não é a glória de possuir um
Príncipe da Dinastia Reinante, que obriga o Povo a clamar pela sua
residência no Brasil à vista do mesmo Decreto, que o chama além do
Atlântico: nós perderíamos com lágrimas de Saudade esta glória, que
acontecimentos imprevistos, e misteriosamente combinados nos trouxeram,
abrindo entre nós uma época, que parecia não estar marcada pela
providência nos nossos Fastos, e ao mesmo tempo fazendo a emancipação do
Brasil justamente na idade, em que possuído da indisputável idéia de
suas forças, começava a erguer o colo para repelir o sistema Colonial;
mas a perda desta Augusta Posse é igualmente a perda da segurança, e da
prosperidade deste rico, e vastíssimo Continente; ainda avançamos a
dizer respeitosamente, que esta perda terá uma influência mui imediata
sobre os destinos da Monarquia em geral. Se os Políticos da Europa
maravilhados pela Resolução de Sua Majestade o Senhor Dom João Vi em
passar-se ao Brasil realizando o projeto, que os Holandeses conceberam
quando Luís IV trovejava às portas de Amsterdam, que Filipe V tinha na
idéia quando a fortuna o ameaçava de entregar a Espanha ao seu rival,
que o ilustre Pombal premeditava quando o Trono da Monarquia parecia ir
descer aos abismos abertos pelo terremotos, que Cados IV já mui tarde
desejou realizar; sim se os Políticos disseram que o Navio que trouxe ao
Brasil o Senhor D. João Vi alcançaria entre os antigos Gregos maiores
honras do que esse, que levou Jason e os Argonautas a Colcos, o Povo do
Rio de Janeiro julga que o Navio que reconduzir Sua Alteza Real
aparecerá sobre o Tejo com o Pavilhão da Independência do Brasil.
Talvez que Sua majestade Criando o Senhor D. Pedro, Príncipe Regente do
Brasil tivesse diante dos olhos estas linhas traçadas pelo célebre Mr.
Du-Pradt "Si le passage du Roi n'avait eu lieu, le Portugal perdait le
Brésil de deux maniéres, 1. par l'attaque qú eu auraiente fait les
Angiais sous pretexte de guerre avec le Portugal soumis aux Français; 2.
par I'Independance dans Ia quelle ce grand Pays separe de Ia Métropole
par la guerre ne paurait manquer de tomber, comme ont fait les Colonies
Espagnoles, et para la même raison, et avec le même succés. Aussi est il
bien evident que si jamais le Souverain établi au Brésil repasse en
Portugal il laisserá derriére lui I'Independance établie dans les
comptoirs de Rio de Janeiro." - Se a passagem do Rei se não verificasse,
Portugal perdia o Brasil por dois modos, primeiro por ataque que fariam
os Ingleses com o pretexto de guerra com Portugal submetido aos
Franceses; segundo pela independência, que infalivelmente este grande
País separado da Metrópole pela guerra proclamaria, como fizeram as
Américas Espanholas com a mesma razão, e com o mesmo sucesso. É logo bem
evidente que se algum dia o Soberano estabelecido no Brasil voltar para
Portugal, deixará após de Si a Independência firmada em todas as
feitorias do Rio de Janeiro. Conhece-se qual é o estado de oscilação, e
de divergência, em que estão todas as Províncias do Brasil; o único
centro para onde parece que se encaminham suas vistas, e suas esperanças
é a Constituição, e a primeira vantagem, que se espera deste plano
regenerador é a conservação inalienável das atribuições, de que se acha
de posse esta antiga Colônia transformada em Monarquia; menos para
autorizar a residência do Augusto Chefe da Nação, do que pelo grande
peso, que o seu Comércio de exportação lhe dava na balança mercantil da
Europa, pelas suas diferentes relações com os diversos Povos desse
antigo Hemisfério, e pelo progressivo desenvolvimento de suas forças
físicas, e morais.
O Brasil conservado na sua Categoria, nunca perderá de vista as idéias
de seu respeito para com a sua ilustre, e antiga Metrópole, nunca se
lembrará de romper esta cadeia de amizade, e de honra, que deve ligar os
dois Continentes através da mesma extenção dos mares que o separam; e a
Europa verá com espanto, que se o espaço de duas mil léguas, foi julgado
mui logo para conservar em vigor os laços do Reino Unido, sendo o fiador
desta união um frágil lenho, batido pelas ondas, e exposto às
contingências da Navegação; este mesmo espaço nunca será capaz de
afrouxar os vínculos de nossa aliança, nem impedirá que o Brasil vá ao
longe com mais alegria, com a mão mais cheia de riquezas, do que ia
dantes, engrossar a grande artéria da Nação.
O Povo do Rio de Janeiro conhecendo bem, que estes são os sentimentos de
seus co-irmãos Brasileiros protesta à face das Nações pelo desejo que
tem de ver realizada esta união tão necessária, e tão indispensável para
consolidar as bases da prosperidade Nacional: entretanto o mais Augusto
penhor da infalibilidade destes sentimentos é a Pessoa do Príncipe real
no Brasil, porque nele reside a grande idéia de toda aptidão para o
desempenho destes planos, como o primeiro vingador do sistema
Constitucional. As Províncias do Brasil aparecendo nas pessoas dos seus
Deputados em roda do Trono do Príncipe Regente formaram uma liga de
interesses comuns, dirigindo sempre a marcha das suas providências
segundo a perspectiva das circunstâncias, sendo um dos seus objetos de
empenho estreitar mais e mais os vínculos de nossa Fraternidade
Nacional.
Se o motivo que as Cortes apresentaram para fazerem regressar Sua Alteza
Real é a necessidade de instrução de economia Política, que o Mesmo
Senhor deve adquirir viajando pelas Cortes da Europa assinadas no
Decreto, o Povo julga que se faz mais necessário para a futura glória do
Brasil, que Sua Alteza Real visite o interior deste vastíssimo
Continente desconhecido na Europa Portuguesa, e por desgraça nossa
examinado, conhecido, descrito, despojado pelas Nações Estranjeiras, em
cujas Cartas, como ultimamente na de Mr. La Pie, nós com vergonha vamos
procurar as Latitudes, e as Longitudes das Províncias centrais, a
direção dos seus grandes rios, e a sua posição geográfica, os justos
limites, que as separam umas das outras, e até conhecer a sua capacidade
para as riquezas de agricultura pela influência das diversas
superfícies, que elas oferecem.
Portugal considerando o Brasil como um País, que só lhe era útil pela
exportação do ouro, e de outros gêneros com que ele paga o que importam
os Estrangeiros, esquecendo-se que esta mesma exportação era resultado
mais das forças Físicas do Brasil, do que de estímulo das Artes de
indústria comprimidas pelo mortífero sistema Colonial, e abandonadas a
uma cega rotina não se dignou em tempo algum entrar no exame deste
Continente, nunca lançou os olhos sobre o seu termômetro político, e
moral, para conhecer a altura em que estava a opinião pública, e bem
mostra agora pela indiferença com que se anuncia a seu respeito: é
portanto de primeira necessidade que o Príncipe Regente dê este passo
tão vantajoso para maior desenvolvimento da vida moral, e física do
Brasil.
As Cortes da Europa hoje decaídas daquele esplendor, que elas
apresentavam em outras épocas ainda conservam grandes Sábios, famosos
políticos, porém estas classes se consideram mudas, e paralisadas pelas
diversas facções, que as combatem com uma prepotência irresistivel: Sua
Alteza Real não encontrará hoje nelas mais do que intrigas diplomáticas,
mistérios cabalísticos, pretensões, ideais, projetos efêmeros, partidos
ameaçadores, a moral pública por toda a parte corrompida, os Liceus das
Artes, e das Ciências na mais miserável prostituição, uma política cega
concebendo, e abortando, em uma palavra Sua Alteza Real achará em toda a
Europa vestígios desse vulcão, que rebentando ao Meio Dia levou estragos
além das Ilhas, e dos Mares. Não, não foi em crises tão fatais, que
viajaram o Imortal Criador do império da Rússia Pedro Primeiro, e o
grande filho de Maria Tereza José Segundo, assim como outros Príncipes,
que voltaram aos seus Estados enriquecidos de conhecimentos, que fizeram
a prosperidade de suas Monarquias. Depois que o interesse passou a ser,
como diz o Abade Condillac, a mola Real dos Gabinetes da Europa, a
Política começou a esconder sua marcha, e quase sempre as idéias
ostensivas são inteiramente diversas daquelas, que aparecem nos planos
das negociações. É bem de esperar que o Príncipe Herdeiro de uma
Monarquia olhada hoje com ciúme pelas Nações Estrangeiras não seja
admitido a comunicação dos seus mistérios Eleusinos, que veja as novas
Tiros, e Cartagos só pela perspectiva de sua economia pública, e que se
faça todo o empenho para desviar da conhecida agudeza de seu Engenho a
Carta dos interesses Ministeriais.
Nas províncias do Brasil Sua Alteza Real achará um Povo, que o adora, e
que suspira pela sua presença: nas mais polidas encontrará homens de
talentos, bem dignos de serem admitidos ao seu Conselho, em outras
achará a experiência dos velhos, que o Discípulo de Xenofonte encontrou
nas bocas do Nilo; conhecerá de perto as forças locais deste imenso
País, em cujo seio ainda virgem, como diz o célebre Mr. de Sismondi se
podem perfilhar as plantações, que nutrem o orgulho das margens do Indo,
do Ganges, da antiga Taprobana, e que obrigam o altivo Adamastor a se
embravecer tantas vezes contra os Europeus. Os Povos experimentaram
estes estímulos de estusiasmo, e de brio, que inspira a presença
criadora de um Príncipe; sobre todas as vantagens enfim; Sua alteza Real
terá uma que não é pequena, conhecer por Si mesmo a herança de Sua
Soberania, e não pelas informações dos Governadores, que tudo acham
inculto, atrasado, com obstáculos dificultosos, ou invencíveis para se
desculparem assim de sua inação, ou para depois mostrarem em grande mapa
colorido o pouco que fizeram, deixando entre as sombras as concussões
violentíssimas, que sofreram as vítimas de seu despotismo. Tal é a idéia
que o nosso insigne Vieira oferece em suas Cartas quando analisa a
conduta destes Régulos de bastão e ferro, praga tão funesta ao Brasil,
ou ainda mais, do que o mesmo sistema Colonial.
Sendo pois esta viagem de tão grandes consequências para o progressivo
melhoramento do Brasil, fica demonstrada a sua importância, e sua
necessidade; os conhecimentos adquiridos por Sua Alteza Real sendo
confrontados com os votos daqueles, que possuem a verdadeira estatística
do Brasil servirão muito para organizarem o plano do regime que deve
animar a sua vida física, e moral.
Há uma distância mui considerável entre o Meio Dia da Europa, e o Meio
Dia da América; a Natureza humana aqui experimenta uma mudança sensível,
um novo Céu, e por isso mesmo uma nova influência sobre o caráter de
seus indivíduos; é impossível que Povos classificados em oposição física
se possam reunir debaixo do mesmo sistema de governo; a Industria, a
Agricultura, as Artes em geral exigem no Brasil uma Legislação
particular, e as bases deste novo Código devem ser esboçadas sobre os
locais, onde depois hão de ir ter sua execução. Se o Brasil agrilhoado
em sua infância, e com
mui poucas homenagens na sua mocidade avançou rapidamente através das
mesmas barreiras, que tolhiam sua marcha, quanto não avançará depois de
ser visitado, e perfeitamente conhecido pelo Príncipe Herdeiro da
Monarquia, que na sua passagem verá a justiça que se lhe fez
tirando-se-lhe as argolas Coloniais, e dando-se-lhe o Diadema? O Povo do
Rio de Janeiro tendo em vista o desempenho deste projeto verdadeiramente
filantrópico, e conhecendo que Sua Alteza Real anuncia o mais energético
entusiasmo em realizá-lo com grande vantagem da Nação em geral, não pode
portanto convir no seu regresso, e julgando que tem dito quanto basta
para que V.S. faça ver a Sua Alteza Real a delicadeza com que o Mesmo
Senhor se deverá haver nas circunstância já ameaçadoras no horizonte
político do Brasil, espera ser atendido na sua representação, de cujas
consequências (não o sendo) o mesmo Povo declara V.S. responsável-,
igualmente espera que o Soberano Congresso a receba, e a considere como
um manifesto da vontade de in-nãos Interessados na prosperidade geral da
Nação, no renovo de sua mocidade, e de sua glória, que sem dúvida não
chegará ao Zenith, a que espera subir se não estabelecer uma só medida
para os interesses recíprocos dos dois Hemisférios, atendendo sempre às
diversas posições locais de um, e outro. Sendo portanto de esperar, que
todas as Províncias do Brasil se reunam neste centro de idéias, logo que
se espalhe a lisonjeira notícia de que se não verificou o regresso de
Sua Alteza Real, o Povo encarrega a V.S. de fazer ver ao mesmo Senhor a
absoluta necessidade de ficarem por agora suspensos os dois decretos
124, e 125 das Cortes, porque não se pode presumir das públicas
intenções do Soberano Congresso, que deixe de aceder a motivos tão
justos, e de tão grandes relações com o bem geral da Nação. Rio de
Janeiro, em 29 de dezembro de 1821.
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