Considerado o caráter
controverso do étimo de Brasil, são relacionadas a seguir as principais
soluções propostas pelos estudiosos para o problema, informando quanto á
maior ou menor importância de cada hipótese no quadro de estudo do
vocábulo. Sem chegar a arrolar as destituídas de um mínimo de
verossimilhança, leva-se em conta o maior número de respostas à pergunta:
qual a origem do nome Brasil ? E isso porque, na história da busca do
étimo, o que ontem parecia desmedido absurdo, hoje emerge como solução
possível, dependendo do tratamento filológico dado ao problema.
É, por exemplo, o caso da origem céltica do vocábulo. Em 1921, era
considerada por alguns um despropósito, mas em 1967 Adelino José da Silva
d'Azevedo acrescenta à bibliografia sobre o assunto um volume de
quatrocentas páginas, Este nome: Brazil, em que a origem celta lhe aparece
como indiscutível. Seguem-se os étimos principais.
Tupi ibira-ciri, 'pau eriçado'. O filólogo paulista Bernardino Ferraz de
Campos defendeu, no jornal O Município, de 18 de abril de 1896 e números
seguintes, a tese de que Brasil teria origem no tupi ibira-ciri, de ibira,
'pau', e ciri, 'arrepiado', com a seguinte evolução: ibira-ciri > biraciri>
biracar> bracir > brasil, partindo da coincidência de sentido do tupi ciri
e do lat. echinata (de Caesalpinia echinata, 'pau-brasil'), ambos
'eriçado, cheio de espinhos'. Argumenta Ferraz de Campos que ibira-ciri
passou de designação tupi da madeira vermelha ao nome aborígine do
território. Os antecessores de Cabral, ao transportarem para a Europa a
madeira vermelha, entendiam mal a palavra ibira-ciri, chamando brasil ao
madeiro e ao país. Assim se explicaria que não tivesse vingado o nome
Terra de Santa Cruz, já que os europeus conheciam o topônimo Brasil antes
de Cabral.
Tupi-guarani paraci, 'mãe do mar, mãe da água'. Em conferência pronunciada
para esclarecer a origem do nome Brasil, Barbosa Rodrigues, então diretor
do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, comunicou que, de norte a sul do
país, os indígenas, quando solicitados a dizer 'Brasil', diziam paraci. Os
colonizadores teriam ouvido a palavra, transformando-a em Brasil,
designativo da terra em que eles apanhavam a madeira usada para fabricação
de corantes de tinturaria.
Aríaco parasil, 'terra grande'. O radical aríaco para, que aparece em
inúmeras palavras da América do Sul (Paraná, Paraguai, Parima) com o
sentido de 'grande, grandeza', e o sufixo -sili (lat. -illus, port. -il)
indicativo de qualidade de uma coisa, formam parasili, 'terra grande',
donde, por contração, Brasil (com síncope do a e apócole do i), segundo
étimo proposto por Antônio de Sousa Coimbra.
O sânsc. bradshita, bradsita, para o historiador e filólogo Basílio de
Magalhães,é a origem de Brasil, afirmando que a palavra é escrita com s
porque assim ocorre em quase todas as línguas ocidentais.
Gr. brázein, 'ferver'. Pela incidência de palavras gregas no vocabulário
português, além dos topônimos de origem helênica (Lisboa seria um
exemplo), o professor de história F. Magalhães Castro propõe o verbo gr.
brázein, 'ferver', brázo, 'eu fervo', como étimo de Brazil, no caso com z,
por causa do dzeta grego.
Toscano verzino. Do vêneto verza, 'lasca, cavaco', e sufixo diminutivo -ino
(lat. -inus), há o toscano verzino, que designava as pequenas lascas ou
cavacos de pau-brasil transportados e vendidos pelos navegantes genoveses;
daí, em documentos medievais italianos, as expressões carga di verzi,
carga di verzino (referentes a carga di verzi de brasili, carga di verzino
di brasili), de onde se teria originado Brasil. Defende essa teoria o
historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, visconde de Porto Seguro.
Vêneto verzi ou berzi, 'pau-brasil'. Para Joaquim Caetano da Silva, Brasil
procede do vêneto berzi ou verzi, designativo do pau-brasil.
Genovês brazi, ' pau - brasil'. Zeferino Cândido deriva Brazil, com z, do
genovês brazi, 'pau-brasil' .
Prov. brezill, 'coisa fragmentada'. Com base em Friedrich Diez, Cândido
Lago dá o prov. brezill, 'coisa fragmentada' (porque o pau-brasil era
comerciado em cavacos), como étimo de Brasil.
Ing. brazil, Brazil, 'pau-brasil, Brasil'. William Gibbon, professor
inglês residente no Rio de Janeiro, aponta o ing. brazil, Brazil,
'pau-brasil, nome do país', como origem do port. brazil, Brazil, que seria
escrito com z. Irl. Hy-Brazail, 'ilha do Atlântico'. O estudioso irlandês
O'Connor Daunt em 1848 defendeu no Rio de Janeiro a tese de que o nome
Brasil vem do topônimo irl. Hy-Brazail, ilha do Atlântico referida pelos
antigos irlandeses.
Celta breasail, 'princípe'. Para monsenhor Fergo a síncope do e e do
segundo a determinam a mudança de breasail em brasil, grafado com s. A
transposição de sentido viria de trajarem os príncipes roupas vermelhas,
donde o vocábulo celta passaria a designar o madeiro de mesma cor usado em
tinturaria.
Ár. wars, 'tipo de planta corante'. Meyer-Lübke derivou o toscano, it.
verzino do ár. wars, nascendo daí a idéia de que o port. brasil tivesse
vindo do árabe através do toscano.
Baixo latim brasile, 'com aspecto de brasa'. Vários filólogos derivam
brasil, Brasil, do baixo latim brasile. documentado por Du Cange desde o
séc. XII.
Germânico bras (a), 'carvão ardente'. É, talvez, o étimo mais aceito,
tendo partido também daí a hipótese de que brasil, Brasil, é o port. brasa
(do germânico bras/a/) e sufixo - il, ou o fr. brésil (do germânico).
Fr. brésil, 'pau-brasil'. Antenor Nascentes aponta como étimo de brasil,
Brasil, o fr. ant. bresil, fr. mod. brésil, forma deturpada do toscano,
it. verzino.
Os estudiosos da origem do nome Brasil e os étimos propostos por eles
estão citados em F. de Assis Cintra, O Nome Brasil, com s ou z (1920),
fonte das informações acima transcritas; em Meyer-Lübke, que não tratou da
questão em si, e em Antenor Nascentes foram colhidas outras informações.
As hipóteses do baixo latim, germânica e francesa têm sido as mais
consideradas por filólogos, lingüistas e historiadores que se ocuparam do
problema.
Sem se deter nas cinco primeiras teorias, por considerá-las descabidas, já
que a palavra brasil, Brasil documenta-se em outro campo etimológico,
distinto do das formas tupi, tupi-guarani, aríaca, sânscrita e grega,
Adelino José da Silva d'Azevedo, em Este nome: Brazil (1967), reduz as 11
hipóteses restantes a uma única: Brasil grafa-se com z e é de origem
céltica. Demonstra ele que os fenícios, notáveis navegadores e
comerciantes, mantinham intenso comércio de óxido de estanho, de corante
vermelho mineral, com os celtas, povo metalúrgico e mineiro, que extraía
esse produto desde a Ibéria até a Irlanda. Nesse intercâmbio, os fenícios
foram seguidos pelos gregos, que designavam o óxido de estanho e o
vermelhão dele obtido por kínnabar, kinnábari (lat. cinnabar, port.
cinabre, cinábrio, esp. cinabrio, it. cinabro, ing. cinnabar, al. Zinnober
etc.), denominação aplicada depois ao tom vermelho de qualquer
matéria-prima. O gr. kínnabar, kinnábari forma-se da raiz kínn, que traduz
a idéia de metálico e rubro', de na, 'qualidade de ser metal, de ser
rubro', e da particular bar , 'sobre, em cima de, superioridade'. Uma
característica do céltico era a próclise das partículas, em oposição á
ênclise grega.
Assim. entende-se como
o gr. kínnabar, kinnábari corresponde ao barcino, brakino, breazail
céltico, também nome do vermelhão.
Dos contatos comerciais estabelecidos entre gregos e celtas a partir do
séc. VI a.C., resultou que, por essa época, o celtismo brakino e o
ítalo-celta verzino suplantaram respectivamente o gr. ,kínnabar, kinnábari,
e o germânico zinnover, zinnober, todos com sentido afim. O esp. barcino,
bracino, barzino, port. color varziano (em D. João I), 'avermelhado',
confirmam a ocorrência das grafias celta e ítalo-celta. Mas é no irlandês,
onde permanece mais vivo o substrato céltico, que se documenta melhor a
ocorrência do barcino, brakino, breazil. O título de um poema do bardo
Moore, escrito em inglês, é O'Brasil, palavra irlandesa também referida
pelo folclorista O'Flaherty ( -1718).
A origem do irl. O'Brazil é o celta Hy Breasil, 'descendentes do
vermelho', onde o s é igual ao z (Hy Breazil, portanto), do celta breasil,
breazil, ' vermelho'. Ressalte-se que o s do celta breasil só foi
transliterado pelo s latino por erro de interpretação gráfica dos monges.
Ele deve ser escrito z. Hy Breazil (celta), O'Brazil (irl.), 'descendentes
do vermelho', é uma referência aos gregos e fenícios, pois ao deixarem de
comerciar o vermelhão com os celtas, eles desapareceram nas brumas do
Atlântico, tornando-se um povo mítico e afortunado, que nunca voltou à
Irlanda, porque vivia feliz na misteriosa e paradisíaca ilha do Brazil.
Segundo Adelino d'Azevedo, o sufixo-il. no irl. Brazil, é uma derivação
céltica, ao contrário da suposição de muitos filólogos, que o consideram
formado dentro do português, para justificar o étimo germânico bras(a),
port. brasa e sufixo -il. No indo-europeu e celta, o in passa a il (n>l),
o que explica bracino > brazino> brazilo brazil. A permanência de brazino,
brazil, como designativo do corante vermelho, da madeira e, em geral, da
cor vermelha, explica-se por essa palavra referir-se a uma arte caseira,
onde permanece o vocabulário indígena em detrimento do oficial. Daí brazil
ter afastado o lat. ruber como nome do corante vermelho usado na arte
caracteristicamente caseira da tinturaria.
Assim, o gr. kínnabar, lat. cinnabar, germánico zinnober, celta breazáil,
irl. brazil, esp. barcino, bracino, port. varzino, brazino têm o
significado geral de ' vermelho'
Quando, na Idade Média, o artesanato mediterrâneo passou a usar o corante
vermelho vegetal, as populações ribeirinhas dedicaram-se ao comércio do
pau-brasil. Édessa época (séc. XIII) o aparecimento do toscano verzino, o
vêneto berzi, genovês brazi, que, de nome do corante, passou a designar a
madeira e a planta de onde era extraído o produto. Mas, nas regiões
interiores, o étimo fixou-se, desde o séc. XIV, como 'gado avermelhado' (esp.
barcino, bracino, barzino, port. brazino, varzino ÍD. João I), já que ali
a pecuária tinha papel relevante e o comércio do pau-brasil não existia.
Ressalte-se também a ocorrência da base vocabular em topônimos como
Bergine, cidade próxima a Massílía (Marselha), mencionada por Avieno, em
Ora marítima (Orla marítima); Verzino, antiga povoação italiana da
província de Novara; Varzim, em Portugal, atual Póvoa de Varzim; Bárcinon,
'Barcelona'. Como prova do enraizamento do gr. kínnabar com a próclise
céltica, há o lat. Bárcinon, 'Barcelona'; esp. barcíno, barzino, brazino,
'avermelhado'; port. varzino, 'cor avermelhada', brazino, 'gado
avermelhado' (esp. barcino, bracino. barzino, tivo; it. Varzino, lugar
perto de Novara; toscano verzino, ' vermelho '; véneto berzi, verzi, 'cor
vermelha'; genovês brazi, 'cor vermelha'; gaulês Bergine, cidade perto de
Massília (Marselha); gr. mod. bertzi, 'cor vermelha'; servo-croata varzili,
varzilo, 'corante vermelho'.
À época dos descobrimentos, Portugal procurava manter em segredo os
estudos que precediam as viagens dos navegadores. Fazia-se silêncio também
sobre os novos lugares descobertos, para melhor expIorá-los
economicamente. De informações orais trazidas clandestinamente de
Portugal, nasceu entre os cartógrafos de outras nações européias a
suposição de que existiria uma ilha do Brazil (com z na maioria dos
mapas), onde os portugueses apanhavam o pau-brasil. Contribuiu também para
essa fantasia o registro, em mapas portugueses (fonte da cartografia
européia do séc. XV-XVI), da ilha do Brazil, certamente resquício da lenda
celta do Hy Breazil, muito difundida na Irlanda, de onde facilmente teria
chegado a Portugal, pelo intercâmbio das duas regiões no tempo dos
fenícios, gregos e celtas. Adelino d'Azevedo utiliza-se desses argumentos
cartográficos para corroborar sua tese.
A improcedência de uma origem germânica, árabe ou francesa para a palavra
brasil, Brasil, prende-se ao fato de que, quando aqueles povos chegaram à
península Ibérica, brazil e cognatos já tinham curso desde muito. Isso
leva a crer que no caso árabe houve um empréstimo, mas em sentido
contrário ao comumente aceito, já que o toscano verzino é anterior ao ár.
wars. Da mesma maneira é tardia qualquer derivação de palavras que
designem o pau-brasil, origem do corante vegetal, porque, muito antes, o
cinábrio (gr. kínnabar) foi o corante mineral de celtas, gregos e
fenícios.
A confusão das fricativas s e z é antiga. No séc. III d.c. ela já ocorria
em várias regiões da Europa. Assim, o baixo latim brasile, documentado por
Du Cange, deve-se a que os monges e homens cultos da época só grafavam z (gr.
dzeta) em palavras de origem grega ou helenizadas. Como brasil era um
barbarismo (origem céltica), foi escrito com s. Eis por que o baixo latim
brasile não é etimológico e não pode originar brazil, Brazil. Mas a grande
incidência de grafias brasil, Brasil, com s, começa no séc. XVI, por
influência dos humanistas, que valorizavam sobremodo a cultura
greco-latina, e por transcrições errôneas de mapas feitos em Portugal. É
também nos sécs. XVI-XVII que a pronúncia portuguesa passou a igualar
foneticamente o s intervocálico e o z. Assim, quando os mercadores
marítimos começam a negociar o corante vegetal rubro dos sécs. XI-XII, é
brazil (com z) que rompe o superestrato latino e aflora, prevalecendo
sobre brasil (com s), até o séc. XVI, quando as duas grafias se confundem.
No séc. XIX, Cândido de Figueiredo bate-se pela fixação de Brasil (do
germânico bras/a/), embora entenda Adelino d'Azevedo, pelo exposto, que o
germânico bras(a) não pode ser o étimo do port. brazil, Brazil, nem do
port. braza, que se deveria escrever também com z, ainda que não se ligue
a Brasil.
Cumpre ressaltar por fim três fatos conexos: (1) desde o primeiro século
da colonização, os brasis, os Brasis (com s ou z) designavam tanto os
habitantes nativos da terra como as diferentes partes desta; (2) o
derivado brasileiro, que aparece já no séc.XVII, indicou de início os que
traficavam ou comerciavam com o pau-brasil, depois os que vinham para o
Brasil fazer vida, para, por fim, designar os filhos da terra descendentes
de europeus ou nativos, razão por que ainda no início do séc. XIX os
eruditos propugnavam para o nome gentílico formas como brasílico ou
brasiliense; (3) a divulgação internacional do nome coube de início aos
franceses, na forma já referida de brésil, primeiros grandes traficantes
europeus do produto - o que levou João Ribeiro a designar a palavra Brasil
como "o primeiro galicismo", em artigo inserto em Colmeia (1923).
De todos os modos, a fixação em português da grafia com s, Brasil, parece
fato consumado, desde o primeiro pronunciamento da Academia Brasileira de
Letras em matéria normativa e com a consagração oficial nas constituições
brasileiras republicanas.
Fonte : Enciclopédia Britânica Brasileira