Migrações internacionais e política no Brasil nos anos 30 e 40
João Fábio Bertonha Tradicionalmente se imagina que, quando os imigrantes abandonam seu país de origem e se fixam num outro, eles abandonam completamente os vínculos com tudo aquilo que deixaram para trás. No máximo, aceita-se que eles ainda vão continuar falando sua língua e comendo ao menos alguma coisa de sua comida por alguns anos e manter uma contínua nostalgia do passado. Os problemas do país de nascimento, sua política e seus debates seriam completamente esquecidos por quem o abandona. Essa idéia tem algum fundo de verdade, pois a grande maioria dos imigrantes, ao chegar em um novo país, está mais preocupada em conquistar alguma segurança econômica e sobreviver na nova realidade do que qualquer outra coisa. Isso não significa, porém, que os imigrantes deixem de ser o que eram antes de imigrar. A língua, a maneira de ver o mundo, os hábitos e outras coisas adquiridas na infância e na juventude continuam com os imigrados e não se perdem no processo de migração. Claro, mudanças, e muitas vezes mudanças fundamentais, ocorrem (pois os recém chegados tem que aprender uma nova língua, conviver num novo mundo e com pessoas que pensam de forma diferente), mas nunca ela é absoluta e total. Isso é especialmente verdadeiro quando pensamos no mundo da política e nas coletividades de imigrantes que viviam no Brasil nos anos 20 e 30 desse século. Na sua grande maioria, os milhões de imigrantes que vieram para o Brasil entre o século XIX e XX eram camponeses que tinham o centro de suas vidas no trabalho e na terra. Trabalhar duro para comprar uma pequena propriedade, para criar seu próprio negócio na cidade ou para voltar ao país de nascimento com algumas economias era o sonho da maioria e, nesse esforço, sobrava pouco tempo ou energia para a participação na política brasileira (dificultada, além disso, pelo fato desses imigrantes não serem cidadãos brasileiros com direitos políticos) ou para uma grande preocupação com o que ocorria na distante Pátria mãe. Isso, porém, não era uma regra tão absoluta assim. Muitas vezes, os imigrantes eram obrigados a participar dos acontecimentos de seu novo país, até mesmo por motivos de sobrevivência. Os imigrantes participaram muitas vezes de greves e de movimentos sociais e se inscreveram, apesar de não com muita freqüência, em partidos como o Partido Republicano Paulista para conseguir algum cargo ou apoio para seus negócios. Com certeza, a grande maioria não tinha consciência clara do que estava se passando nos gabinetes do governo e nas altas esferas do Estado (como, aliás, os próprios brasileiros), mas eles tinham, até para poder viver, que ter alguma opinião sobre os acontecimentos candentes do período. O mesmo pode ser dito da relação dos imigrantes com suas nações de origem. A maioria não mantinha grandes vínculos com elas (a não ser os familiares) e não se preocupava extensivamente com o que ocorria lá. No entanto, muitos prestavam alguma atenção nos acontecimentos de além mar (ainda mais num período de grande agitação como os anos entre as duas guerras mundiais) e se posicionavam frente a eles. Os italianos, por exemplo, olhavam com interesse a experiência fascista de Mussolini e, com exceção de uma pequena minoria, admiravam o regime e seu Duce, os quais tinham, aparentemente, resolvido os problemas da Itália e a colocado no trono de grande potência. Militantes fascistas eram realmente poucos entre os italianos e seus filhos que viviam no Brasil, mas a admiração e as palavras elogiosas para eles eram gerais.O mesmo pode ser dito dos alemães: militantes nazistas eram uma porcentagem mínima da colônia germânica, mas alguma admiração pelo Reich nazista e pelo seu Fuhrer Adolf Hitler foram gerais. Os imigrantes ibéricos também olhavam com atenção o que ocorria nas suas regiões de origem. Os portugueses se dividiam em opositores e adeptos do regime do Dr. Salazar e o mesmo ocorria com os espanhóis e o regime de Franco. A questão dos espanhóis era, contudo, mais complexa do que a dos portugueses, devido à chegada ao Brasil, em fins dos anos 30, de refugiados antifascistas da Guerra Civil Espanhola, que ajudaram a trazer a forte disputa entre franquistas e antifranquistas que havia ensangüentado a Espanha para o solo brasileiro. Os japoneses foram um caso mais complicado. Chegados há um tempo menor no Brasil e vindos de uma cultura diferente, demoraram mais a se integrar do que os imigrantes europeus. Além disso, essa integração era dificultada pelo preconceito de boa parte das elites brasileiras por eles. Quase todos eram fiéis súditos do imperador do Japão (o que não significa dizer que estavam dispostos a atacar o Brasil na época da guerra), tanto que a derrota causou funda comoção e o surgimento de grupos terroristas que se negavam a aceitar a derrota japonesa e assassinavam os dissidentes. Foram mais perseguidos na época da guerra, justamente pelos medos e preconceitos das elites brasileiras, do que italianos e alemães. Outras colônias de imigrantes também observavam atentamente o que ocorria no velho continente. É o caso dos poloneses, bálticos, russos, ucranianos e outras. Outro ponto curioso é que as diferentes etnias não estavam isoladas, mas interagiam continuamente entre si, especialmente em espaços urbanos como a cidade de São Paulo. A história das trocas culturais, dos conflitos e acomodações entre elas (e também com a população brasileira nativa) ainda está, porém, por ser escrita. Os conflitos e amizades, na maioria das vezes, vinham de problemas locais. É documentada, na São Paulo dos anos 30, por exemplo, uma certa inimizade entre portugueses e italianos. Discutir as razões dessa inimizade seria tarefa que extrapola, obviamente, os limites desse texto. Parece provável, porém, que a competição por espaços econômicos e trabalho entre os dois grupos tenha conduzido a uma certa tensão entre as comunidades, a qual se convertia em manifestações antiitalianas por parte dos portugueses, que tinham uma relação tensa, aliás, também com os brasileiros. Outro ponto interessante (e que comprova que os imigrantes, em geral, permaneciam com um olho voltado para os problemas de suas terras natais) é que, em muitos casos, a relação de uma coletividade estrangeira com uma outra dependia muito das relações entre suas nações de origem. É o caso da colônia iugoslava, razoavelmente organizada no Brasil do entre guerras, e onde não só as divisões entre croatas, sérvios e bósnios originárias da Pátria de origem continuavam, como se mantinha, aparentemente, uma posição de certa antipatia pelo fascismo e pela Itália (e, por tabela, pelos italianos locais) devido às contínuas tensões entre Roma e Belgrado. Também com as diferentes coletividades oriundas do mundo árabe havia essa tendência em avaliar a Itália, a Alemanha ou a França (e os oriundos dessas regiões) a partir da posição desses países com os problemas do Oriente Médio. Existiam, assim, libaneses muçulmanos que viviam em São Paulo e apoiavam o fascismo como forma de libertar o Líbano do domínio francês e que, por isso, tinham boas relações com os seus vizinhos italianos, enquanto os libaneses católicos eram firmemente pró-França e anti-Itália. O caso mais emblemático dessa situação, porém, é o caso da coletividade húngara. No período entre guerras, a Hungria manteve uma relação bastante próxima com a Itália. Isso se refletiu numa relação muito harmoniosa entre os italianos e os húngaros da cidade de São Paulo, que participavam da acolhida de dignatários fascistas, demonstravam continuamente sua admiração pelo Duce, colaboravam na propaganda fascista e recebiam especial atenção do governo italiano. Podemos concluir, assim, que, no Brasil dos anos 30 e 40, as comunidades estrangeiras conservavam ao menos alguma conexão com o universo que tinham deixado para trás, incluindo o mundo da política. Um padrão, na verdade, que se repete ainda hoje, com os peruanos vivendo em São Paulo preocupados com a queda de Fujimori, os árabes de Foz do Iguaçu interessados nos destinos do Líbano e os chineses da Liberdade discutindo os caminhos da China. Um sinal de que os imigrantes, em qualquer época, nunca são apenas pecinhas que se desconectam de uma máquina econômica para se integrarem em outra, mas seres pensantes, preocupados, dentro de certos limites, com o mundo que deixaram e com o novo que estão ajudando a construir e um indício da imensa colaboração que eles trazem para o incremento cultural e o debate político de uma sociedade. João Fábio Bertonha é doutor em História Social (Unicamp), professor de História Contemporânea da Universidade Estadual de Maringá (PR) e pesquisador do Centro de Estudos de Migrações Internacionais (CEMI). Creditos http://www.comciencia.br/reportagens
Renascimento agrícola
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