PRIMEIRA ETAPA DO PROJETO
POLO NORTE
Em 1995
dei início ao meu maior desafio: uma expedição solitária à calota polar
do Oceano Ártico, uma região desconhecida dos aventureiros brasileiro.
Como
meta para essa primeira incursão na região, me propus alcançar o Pólo
Norte Magnético da Terra, localizado nas ilhas do extremo norte do Canadá.
Mais do que o destino, o que me interessa ali era o caminho a ser
percorrido, onde eu conheceria o Ártico a fundo.
Com patrocínio da Real
Seguros, em novembro de 1995 fui para Resolute Bay, na ilha
Cornwallis. Seria nesse vilarejo esquimó, no extremo norte do Canadá, o
meu ponto de partida para a caminhada. Fui para conversar com os esquimós
e aprender sobre como sobreviver naquela região. Aproveitei também para
testar alguns equipamentos e vestimentas.
Os dias
eram bem curtos - o sol permanecia acima do horizonte menos de 2 horas -
perdia 20 minutos de luz por dia nesse início de inverno, o que mantinha
temperatura por volta dos 26 graus abaixo de zero.
Depois
de um rápido retorno ao Brasil, em dezembro fui para os EUA realizar meu
treinamento prático, isto é, puxar trenó. Escolhi a cidade de Missoula,
em Montana. Lá o inverno é bem rigoroso, neva muito, e existe toda uma
infra-estrutura para alugar ou comprar uma série enorme de equipamentos
que seriam testados. Além disso, é ali que mora o professor Charles Jonkel,
maior especialista americano em ursos. Passei dois meses me preparando.
No dia 15 de março de 1996
fui para Yellowknife, capital dos Territórios de Noroeste, onde vi a
aurora boreal pela primeira e vez. No dia seguinte voei para Resolute. Na
primeira semana a temperatura ficou entre 38 e 42 graus abaixo de zero...
24 horas por dia. Nem no inverno himalaiano, no Everest, na Antártica ou
no Alaska eu tinha experimentado temperaturas tão baixas. Passei 15 dias
com os esquimós treinando e dando os últimos ajustes nos equipamentos e na
estratégia.
Depois
de 2 meses de escuridão total, os dias agora estavam aumentando de
tamanho. Eram 20 minutos de luz a mais por dia. Assim, comecei a caminhada
no dia 31 de março, com quase 24 horas de luz.
O interessante nessa jornada
"solitária" era que eu não estava totalmente sozinho. Estava acompanhado
de um cão!! Um cão esquimó, chamado Bruno. Ele seria meu único
companheiro. Sua tarefa era a de me proteger de eventuais ataques de ursos
polares, que abundam na região. Atrás de mim eu puxava um trenó com 90
quilos, com todos equipamentos e mantimentos para sobreviver por um mês,
ou mais, em caso de emergência. O Bruno também tinha o trenó dele, com
cêrca de 45 quilos de ração.
Durante
20 dias, sob as piores condições climáticas - temperaturas polares, vento
frontal, tempestades de neve e neblina - e passando por inúmeras
peripécias, eu e o Bruno conseguimos percorrer 140 km pela
superfície gelada e deserta da calota polar. Nesse período ficamos 10 dias
parados por mau tempo e não chegamos no Pólo Mgnético.
Como em qualquer
empreendimento novo, os primeiros dias foram os mais difíceis. Eu
ainda estava me ambientando ao desconhecido, portanto tinha que lidar com
meus medos e ansiedades. Conforme fui superando as primeiras dificuldades
- técnicas, logísticas, climáticas, psicológicas - fui adquirindo mais
auto-confiança. Sempre com o cuidado de celebrar cada pequena vitória, fui
convivendo com a dura rotina: os riscos de cada decisão tomada, o contato
com novas técnicas e equipamentos, os dias perdidos por tempestades, o
gelo rachando, o frio, o vento, o cansaço, o silêncio profundo. O momento
mais bonito talvez tenha sido o nosso encontro com uma família de ursos,
quando a mamãe ursa, acompanhada do seu filhote, ficou de pé sobre um
bloco de gelo me adimirando.
Mas,
como escrevi no livro "Sozinho no Pólo Norte" (L&PM), penso que o
aspecto mais interessante dessa jornada tenha sido o trabalho que fiz
comigo mesmo.
Absolutamente sozinho (fora o cão), tive que conviver com meus medos,
atropelar vacilações, driblar o cansaço, espantar o mal-humor e estar
sempre me motivando. Expor a mim mesmo e aceitar numa boa meus medos e
fraquezas. Manter a serenidade mas com coragem. Caminhar em silêncio mas
espantar o tédio. Tive que apurar minha sensibilidade, contornar
preguiças, dar um chega-prá-lá no desânimo e tomar todas as iniciativas.
Olhar mais para dentro que para fora. Curtir o frio, o perigo, a solitude,
o silêncio e permanecer alegre e confiante, apesar da incerteza de chegar.
Mais que isso, para sobreviver nequele meio tão hostil e belo, tive que
controlar minhas emoções e manter a lucidez para tomar decisões. Enfim, me
conhecer mais e a fundo.