A historia do Rio Grande do Sul, o estado
mais ao sul do Brasil, inicia com a chegada do homem à região cerca de
11 mil anos atrás, mas suas mudanças mais dramáticas ocorreram nos
últimos cinco séculos, depois do descobrimento do Brasil.
Esse percurso mais recente transcorreu em
meio a diversos conflitos armados, externos e internos, alguns de grande
violência. Guilhermino César dizia que essa história "é um dos capítulos
mais recentes da historia brasileira", e justificadamente, pois quando
no Nordeste já se cantavam missas polifônicas este estado ainda era
ocupado por um punhado de povoados e estâncias de gado portuguesas no
centro-litoral, e o sul-sudeste era uma "terra de ninguém" onde
frequentemente incursionavam tropas espanholas mandadas por Buenos
Aires, defendendo os interesses da Coroa Espanhola, o proprietário legal
da área nessa época. Mas essencialmente o Rio Grande do Sul até o fim do
século XVIII era uma região virgem habitada por povos indígenas.
Os únicos focos importantes de civilização e
cultura européias em todo o território até esta altura eram um brilhante
grupo de reduções jesuítas fundado no noroeste, destacando-se entre elas
os Sete Povos das Missões. Entretanto, sendo de criação espanhola, até
há pouco tempo as Missões eram vistas como que sendo um capítulo à
parte, e tanto mais por não terem deixado descendência cultural direta
significativa, mas em anos recentes vêm sendo assimiladas à
historiografia integrada do estado.
Na primeira metade do século XIX,
após muitos conflitos e tratados, obtendo Portugal a posse definitiva
das terras que hoje compõem o estado, expulsos os espanhóis e
desmanteladas as reduções, e massacrados ou dispersos os índios, se
estabeleceu uma sociedade de matriz claramente portuguesa, e uma
economia baseada principalmente no charque e no trigo, iniciando um
florescimento cultural nos maiores centros do litoral - Porto Alegre,
Pelotas e Rio Grande. |
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Esse crescimento contou com a contribuição de muitos imigrantes alemães,
que desbravaram novas áreas e criaram culturas regionais significativas
e economias prósperas, bem como com a força de muitos braços escravos.
Em 1835 iniciou um dramático conflito que envolveu os gaúchos numa guerra
fratricida, a Revolução Farroupilha, de caráter separatista e
republicano. Finda a guerra a sociedade pôde se reestruturar. No final
do século o comércio se fortaleceu, chegaram imigrantes de outras
origens como italianos e judeus, e na virada para o século XX o Rio
Grande do Sul havia se tornado a terceira maior economia do Brasil, com
uma indústria em ascensão e uma rica classe burguesa, mas ainda era um
estado dividido por sérias rivalidades, e houve mais crises
sangrentas.
Nessa época o Positivismo delineava o programa de governo,
criando uma dinastia de políticos herdeiros de Júlio de Castilhos que
governou até os anos 1960 e influiu em todo o Brasil, especialmente
através de Getúlio Vargas, que em sua origem fora castilhista. No
período da ditadura militar o Rio Grande do Sul enfrentou muitas
dificuldades no que diz respeito à liberdade de expressão, como
enfrentou todo o país, mas o crescimento econômico do Milagre Brasileiro
propiciou investimentos na infraestrutura.
No final do ciclo, porém, o
estado havia acumulado enorme dívida pública. Nas últimas décadas o
estado vem consolidando uma economia dinâmica e diversificada, ainda que
bastante ligada ao setor agropecuário, e vem ganhando fama como tendo
uma população politizada e educada. Ainda que existam muitos desafios a
serem vencidos e grandes diferenças regionais, em geral melhorou sua
qualidade de vida alcançando índices superiores à média nacional,
projetou-se culturalmente em todo o Brasil e iniciou um processo de
abertura para outros cenários em face da globalização, enquanto que
passava a prestar mais atenção às suas raízes históricas, à sua
diversidade interna, aos excluídos e minorias, e ao seu ambiente
natural.
Batalha dos Farrapos, óleo sobre tela de José
Washt Rodrigues. |
"O Laçador", famosa estátua gaúcha encontrada
em Porto Alegre. |
As ruínas jesuítas de São Miguel das Missões.
Patrimônio da Humanidade desde 1983 no estado do Rio Grande do Sul. |
Pré-historia
Cerâmica guarani, acervo do Museu Farroupilha.O perfil geográfico do Rio
Grande do Sul foi formado por sucessivas transformações que iniciaram há
cerca de 600 milhões de anos. Esse território já foi um mar, já foi um
deserto, e em várias regiões aconteceram soterramentos massivos por
derrames de lava.
Crê-se que somente há dois milhões de anos a geografia
se definiu mais ou menos como hoje a conhecemos, quando se fixou a faixa
arenosa do litoral. A vida na pré-história do Rio Grande do Sul foi rica
em espécies animais e vegetais, sendo encontrados muitos fósseis em
especial na área da Paleorrota. Há apenas cerca de 11 mil anos iniciou a
ocupação humana, com a chegada de grupos de caçadores-coletores vindos
do norte, que se instalaram em todos os recantos do estado, formando
culturas como a Umbu, a Humaitá, e a Sambaqui.
A cultura Taquara
alcançou até mesmo algum grau de sofisticação, visível na cerâmica que
produziram e na engenharia de abrigos subterrâneos, interligados por
túneis, revestidos de pedra cimentada com barro, muitas vezes associados
com outras construções superficiais como plataformas de pedra. Outros
vestígios desses habitantes foram encontrados na forma de instrumentos
de pedra lascada, inscrições rupestres, amuletos, tumbas e ossadas.
Essa fase prosseguiu sem mudanças significativas até a chegada de uma
segunda onda migratória há dois mil anos, composta por índios guaranis
oriundos da Amazônia. Sendo um povo mais forte e mais organizado,
submeteram praticamente todos os antigos habitantes, introduzindo também
a agricultura e aperfeiçoando a cerâmica. Quando o Brasil foi
descoberto, em 1500, quase todos os índios do estado, que somavam de 100
mil a 150 mil na estimativa dos estudiosos, já eram guaranis ou estavam
misturados a eles. Os grupos menos afetados por essa invasão foram os
gês do planalto médio, e os charruas e minuanos, do pampa.
Início da colonização
O território que hoje constitui o Rio Grande do Sul já constava nos
mapas portugueses, sob o nome de Capitania d'El-Rei, desde o século XVI.
A despeito do Tratado de Tordesilhas, que definia o fim das terras
portuguesas na altura de Laguna, Portugal ansiava por estender seus
domínios até a foz do Rio da Prata.
No século XVII bandeirantes de São
Paulo já percorriam a área em busca de tesouros e para escravizar os
índios. Nesse espírito, ignorando os tratados, em 17 de julho de 1676,
através de Carta Régia, Portugal delimitou duas capitanias no sul, que
em conjunto se estendiam de Laguna até o Rio da Prata, doadas ao
Visconde de Asseca e a João Correia de Sá.
Ocupação do litoral
Uma primeira expedição de conquista, organizada em 1677, malogrou.
Outra, de 1680, sob comando de Dom Manuel Lobo, conseguiu tocar o
Prata em janeiro do ano seguinte, fundando a Colônia do Sacramento,
com um presídio e os primeiros abrigos para os colonos.
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A Espanha, nesta altura
fragilizada por guerras contra a França, apesar de atacar a Colônia, não
esboçou uma reação mais séria à expansão portuguesa, e em 1681
estabeleceu-se o Tratado Provisional, delimitando novas fronteiras na
região e reconhecendo a soberania portuguesa sobre a margem esquerda do
Rio da Prata.
Com o incentivo do estabelecimento deste posto avançado, os portugueses
passaram a se interessar pela ocupação das terras intermediárias entre o
Sacramento e a Capitania de São Vicente. Em 1737 uma expedição militar
portuguesa, comandada pelo Brigadeiro José da Silva Pais, foi incumbida
de prestar socorro à Colônia, tomar Montevidéu e levantar um forte em
Maldonado.
Fracassada esta última empresa, o Brigadeiro decidiu instalar
uma povoação mais ao norte, livre das constantes disputas entre
portugueses e espanhóis. Destarte, navegou até a barra da Lagoa dos
Patos, erroneamente tomada como um rio, o Rio Grande, e ali chegando em
19 de fevereiro de 1737, fundou um presídio e ergueu o Forte Jesus,
Maria e José, constituindo a origem da cidade do Rio Grande, primeiro
centro de governo da região.
O local era um ponto estratégico para a
defesa do território, estando a meio caminho entre Laguna e a Colônia do
Sacramento. As primeiras famílias colonizadoras chegariam ali ainda
neste ano, mas o trecho entre Rio Grande e Tramandaí e os campos da
região de Vacaria, na serra do nordeste, também estavam sendo povoados
independentemente, situação facilitada pela extensão, pelos tropeiros,
da Estrada Real que vinha de São Paulo até os Campos de Viamão, sendo
que já em 1734 se contavam grandes estâncias de gado na área, se
lançavam as sementes das primeiras urbanizações e os estancieiros
começavam a solicitar a concessão de sesmarias. A partir de 1748
começaram a chegar ao estado famílias açorianas, enviadas pela Coroa
Portuguesa, para colonizá-lo. Instalaram-se primeiro em Rio Grande, e
depois outras se fixaram na região da futura Porto Alegre, então ainda
um diminuto povoado erguido junto ao porto de Viamão. Partindo dali,
outros grupos avançaram pelos vales dos rios Taquari e Jacuí.
Reduções, Sete Povos das Missões
Entrementes, na parte noroeste do estado, os jesuítas espanhóis, ligados
à Província Jesuítica do Paraguai, haviam estabelecido desde 1626
aldeamentos muito organizados reunindo grande população indígena (cerca
de 40 mil pessoas), as reduções ou missões, fundadas próximo ao Rio
Uruguai.
Sete delas, mais recentes, ficariam sendo mais conhecidas como
os Sete Povos das Missões, cujo extraordinário florescimento incluía
refinadas expressões de arte nos moldes europeus. Os padres construíram
uma civilização à parte dos conflitos que agitavam o litoral, e deixaram
muitos registros sobre os povos indígenas, sobre a geografia, a fauna e
a flora da região, mas sua contribuição mais direta para a historia do
estado se resumiu à introdução do gado e ao desenvolvimento de técnicas
de pastoreio que mais tarde seriam assimiladas pelos portugueses.
No século XVIII um novo acordo entre as coroas ibéricas, o Tratado de
Madrid, haveria de mudar mais uma vez as fronteiras. Através deste
tratado, firmado em 13 de janeiro de 1750, estabeleceu-se a permuta da
Colônia do Sacramento pelos Sete Povos, cujas populações indígenas
seriam transferidas para a área espanhola além do rio Uruguai.
A
demarcação das novas fronteiras e a mudança dos povos aldeados não
transcorreram sem dificuldades. Os jesuítas e os índios protestaram,
esperava-se confronto, e o Marquês de Pombal ordenou que o legado
português, o capitão-general Gomes Freire de Andrade, não entregasse
Sacramento sem que antes tivesse recebido os Sete Povos.
A situação se
agravou e o conflito esperado eclodiu em Rio Pardo, originando a chamada
Guerra Guaranítica, que dizimaria grande número de índios e dissolveria
as Missões, mas no episódio despontou a figura legendária do líder
indígena Sepé Tiaraju, hoje considerado um herói do estado e um mártir
da causa dos índios.
Depois da Guerra Guaranítica,
Portugal decidiu prestar mais atenção à capitania, que por esta altura
contava com pouco mais de sete mil habitantes, distribuídos em cerca de
400 estâncias e poucos povoados e arraiais. |
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Desvinculou-a de Santa Catarina e a ligou diretamente à sede carioca,
nomeando um governador civil em vez de um comandante militar. Em 1760 o
governador espanhol em Buenos Aires, Don Pedro de Cevallos, começou a
intimar os portugueses a abandonarem todas as terras ocupadas
ilegalmente.
Diante da ausência de resposta, em 1763 atacou e conquistou Rio Grande,
causando a fuga em massa dos populares e obrigando a mudança às pressas
da capital portuguesa para Viamão. Agora o território português se
resumia a uma estreita faixa entre o litoral e o vale do rio Jacuí.
Em 1773 a capital foi transferida de Viamão para Porto Alegre, em vista
de sua situação geográfica privilegiada. Em 1776 a vila de Rio Grande
foi retomada. Um outro tratado, o de Santo Ildefonso, de 1777, mais uma
vez retificaria as fronteiras e estabeleceria desta vez como posse
espanhola tanto Sacramento como os Sete Povos. No final do século já
existiam cerca de 500 estâncias em atividade.
Estância, Gaúcho
Com a paz de Santo Ildefonso se intensificou a concessão de sesmarias
aos que se haviam destacado na guerra, e esta classe de militares, agora
donos de terras, foi a origem da aristocracia pastoril gaúcha,
consolidando o regime das estâncias como uma das bases econômicas da
região, mas dando margem também a uma grande quantidade de abusos de
poder, que tinham seu fundamento na realidade de um grupo que se
experimentara a ferro e fogo, mas para quem o senso de justiça, lei e
humanidade estava morto.
Os próprios administradores régios davam
péssimo exemplo, enriquecendo à custa da província e acumulando vastas
extensões de terras. Cada grande sesmeiro era como um poderoso senhor
feudal que só atendia aos seus interesses e os impunha pela força.
Repetidas vezes as queixas chegaram à Coroa, mas sempre com pouco
resultado. A vida na estância era precária em todos os sentidos.
Somente
os senhores podiam ter algum luxo numa casa grande, que mais se parecia
a uma fortificação, com paredes grossas e grades nas janelas. Em torno
dela se agrupavam a senzala e famílias livres, que vinham em busca de
proteção e recebiam uma porção de terra em troca de um compromisso de
fidelidade servil para com o proprietário, produzindo alimentos e bens
manufaturados para seu sustento próprio mas sobretudo para o patrão.
A
habitação desses agregados era um sumário casebre de barro coberto de
palha, despojado de todo conforto. Um relato de época, deixado por Felix
Azara, descreve o ambiente:
Wendroth: Típica propriedade rural da região central do RS em meados do
século XIX."Possuem um barril para a água, uma guampa para o leite e um
espeto para assar a carne. A mobília não vai além de umas três peças. As
mulheres andam descalças, sujas e andrajosas. Seus filhos se criam vendo
somente rios, desertos, homens vagos correndo atrás das feras e touros,
matando-se friamente como se degolassem uma vaca".
Mas esse cenário nem sempre foi assim tão desumano. Muitas estâncias
produziam uma variedade considerável de produtos agrícolas e de uma
indústria primitiva, tornando a propriedade autossuficiente e as
condições gerais um pouco melhores.
Havia momentos de entretenimento nos
bolichos, pequenas casas de comércio, bebida e encontro social masculino
de beira de estrada, e as festas religiosas na capela local congregavam
toda a pequena comunidade e atraíam grupos de outras estâncias. Nesses
encontros começou a se formar o folclore do Rio Grande do Sul, na
contação de causos (relatos de façanhas e fatos extraordinários) em
torno do fogo, nas carreiras de cavalos, na troca de experiências sobre
a vida campeira, na absorção e transformação dos mitos indígenas locais.
O empregado da estância foi, assim, um dos
formadores da figura prototípica do gaúcho, uma figura que na verdade
foi "construída" pela intelectualidade local no século XX, mas que hoje
é a inspiradora de parte importante da cultura do estado e do seu senso
de identidade. |
Trem em Ijuí |
Outra parte do caráter total dessa entidade abstrata, uma parte que diz
respeito à insubmissão e liberdade, foi emprestada do povo errante de
homens sem lei, formado por índios evadidos das missões,
contrabandistas, caçadores de couros, aventureiros, escravos e bandidos
foragidos, que percorriam em predação os campos de gado livre. Diversos
nomes se deram a essa população, entre eles faeneros, corambreros,
índios vagos, gaudérios, guascas e gaúchos.
Viviam em bandos por conta própria, comendo carne e bebendo mate e
aguardente, vestidos de uma indumentária simples e adaptada à vida
constante sobre um cavalo, enfrentando dias de intenso frio nos
invernos, tendo de dormir via de regra a céu aberto.
Eram sempre um
perigo para os estancieiros, especialmente os mais pobres, e
constantemente se envolviam em rusgas com os espanhóis na fronteira.
Suas relações com os oficiais do reino eram ambíguas. Por um lado
competiam na presa do gado solto, mas também podiam ser contratados para
fazerem o mesmo serviço para um senhor ou prestar tarefas militares
junto a um destacamento oficial. Em 1803 seu número chegava a quatro
mil, numa população total de 30 mil habitantes.
Até então o interesse dos colonizadores pelo gado se resumia ao couro,
que era de grande importância na vida cotidiana da colônia. A carne era
apenas para uso familiar, e todo o excedente era desprezado. Calcula-se
que o rebanho livre tenha chegado a cerca de 48 milhões de reses e um
milhão de cavalos. Depois de 1780 o gado livre começou a rarear, mas
então se abriu um novo e amplo mercado para a carne que era descartada,
iniciando a cultura das charqueadas, cujo produto seguia para o Nordeste
a fim de alimentar os escravos dos engenhos de açúcar.
Após a Guerra de 1801, um novo acordo, o Tratado de Badajoz, redefiniria
o traçado das fronteiras do estado entregando as Missões para Portugal,
permanecendo Sacramento com a Espanha.
Assim se iniciava um período de
organização administrativa, social e econômica.. Nos poucos centros
urbanos, como Porto Alegre, Rio Grande, Viamão, Pelotas e Rio Pardo, a
sociedade começava a se estruturar. Um inglês, J. G. Semple Lisle,
visitando Rio Grande nessa época, deixou um testemunho muito favorável
sobre o bom acolhimento que teve e as maneiras prestativas do povo, cuja
hospitalidade "excede tudo o que vi em outras partes do mundo. (…)
Poderia encher um volume com a narração dos atos de bondade com que
fomos cumulados". Porto Alegre tinha cerca de quatro mil habitantes e
sua vida como capital começava a se definir claramente, além de crescer
como força econômica, assumindo a posição de maior mercado do sul.
Seu
comércio se fortalecia com a atividade crescente do porto, localizado na
confluência das duas principais rotas de navegação interna, e já havia
espaço para a abertura da sua primeira Casa de Ópera, na verdade um
barracão de pau-a-pique, mas que indicava o esboço de um interesse
cultural mais sofisticado.
Enquanto isso, Pelotas se firmava como maior
centro da produção de charque e através dele nascia uma aristocracia
urbana, embora fosse se individualizar de Rio Grande apenas em 1812,
tornando-se Freguesia de São Francisco de Paula (recebendo o nome
Pelotas algumas décadas depois).
Em 19 de setembro de 1807 a Capitania
ganhou sua autonomia e em 1809 foi elevada a Capitania Geral, composta
por apenas quatro municípios: Porto Alegre, Santo Antônio da Patrulha,
Rio Grande e Rio Pardo, que dividiam entre si toda a extensão do estado.
A paz durou pouco. Em 1811 o estado já se via envolvido em nova disputa
internacional, agora despertada pela revolução iniciada por Artigas em
Buenos Aires e que pretendia unificar todos os estados do Prata.
Montevidéu resistiu e pediu ajuda ao príncipe regente Dom João, e este
enviou tropas gaúchas para combater, sob o comando de Dom Diogo de
Souza, o chamado Exército Pacificador. Na esteira do avanço militar pelo
pampa, fundaram-se cidades como Bagé e Alegrete. Retirou-se o exército
pouco depois, em função da assinatura de um armistício, apenas para ser
substituído em 1816 por um batalhão ainda maior vindo de Portugal,
composto por veteranos das guerras européias, a fim de rechaçar a
invasão das Missões por Artigas.
As lutas terminaram com a anexação da
Banda Oriental, o atual Uruguai, ao Reino Unido de Portugal, Brasil e
Algarves sob o nome de Província Cisplatina, que na prática se tornou
uma extensão do Rio Grande.
Em 1822, com a Independência do Brasil, a Capitania se tornou uma
Província, foi constituída a primeira Assembléia eleita, e recebeu seu
primeiro governante civil, José Feliciano Fernandes Pinheiro, autor
também da primeira história geral do estado, os Anais da Província de
São Pedro.
Nesta altura a população total chegava a cerca de 90 mil
almas. Pelo interior os povoados se multiplicavam, aparecendo Jaguarão,
Passo Fundo, Cruz Alta, Triunfo, Taquari, Santa Maria.[3] As Missões,
porém, já caíam em ruínas e apenas os velhos índios se lembravam delas,
muitas vezes com saudade.
Na capital viviam cerca de 12 mil pessoas.
Auguste de Saint-Hilaire, visitando então, considerou-a bela, com um
comércio variado, muitas oficinas e casas de dois andares, com um povo
formoso e vigoroso, mas deplorou a sujeira das ruas. Sobre a
administração da Província sua opinião foi claramente condenatória:
"Os abusos atingiram o cúmulo, ou melhor, tudo era abuso. Os diversos
poderes confundiam-se e tudo era decidido pelo dinheiro e pelos favores.
O clero era a vergonha para a Igreja Católica. A magistratura, sem
probidade e sem honra (…)
Os empregos multiplicavam-se ao infinito, as
rendas do Estado eram dissipadas pelos empregados e pelos afilhados, as
tropas não recebiam seus soldos; os impostos eram ridiculamente
repartidos; todos os empregados desperdiçavam os bens públicos, o
despotismo dos subalternos chegou ao cúmulo, em tudo o arbítrio e a
fraqueza andam a par da violência".
Arquitetura alemã de enxaimel em Nova Petrópolis.O ano de 1824 foi
marcado pelo início da colonização alemã no estado, uma iniciativa do
governo imperial para povoamento do sul, que visava também a dignificar
o trabalho manual, formar uma classe média independente dos
latifundiários, engrossar as forças de defesa do território e dinamizar
o abastecimento das cidades. Chegando em Porto Alegre, os imigrantes
aguardavam até a definição de suas terras e a concessão de provisões
iniciais.
Nesta cidade grupos remanescentes deram origem ao bairro
Navegantes. O grosso do contingente, porém, seguiu para a região ao
norte da capital, concentrando-se em torno do rio dos Sinos, formando os
núcleos iniciais de cidades como Novo Hamburgo e São Leopoldo e
desbravando as matas em torno para instalação de propriedades rurais.
As
levas de imigrantes germânicos continuariam a chegar ao longo de todo o
século XIX, totalizando mais de 40 mil indivíduos, e os centros de
povoamento que eles fundaram desenvolveram economias prósperas e
culturas regionais características.
As guerras, porém, continuavam. O estado foi a base de operações durante
a Guerra Cisplatina, que eclodiu em 1825 pretendendo recuperar o
território da Província Cisplatina para as Províncias Unidas do Rio da
Prata, havendo escaramuças em território gaúcho e um grande confronto, a
Batalha do Passo do Rosário, tida como a maior batalha campal já
ocorrida no Brasil.
Fructuoso Rivera chegou a reconquistar para as
Províncias Unidas os Sete Povos das Missões, mas com a assinatura da
Convenção Preliminar de Paz, em 1828, as Missões foram devolvidas - mas
não sem antes serem pilhadas pelo exército em retirada - e o Brasil
acabou por ter de entregar a Cisplatina por força do Tratado do Rio de
Janeiro, que criou a República Oriental do Uruguai.
Revolução Farroupilha
Em 1835 seria a vez da Revolução Farroupilha, um dos mais dramáticos e
sangrentos episódios da história gaúcha, que durou dez anos e onde
morreram de 3 a 5 mil pessoas. Explodiu a revolta como consequência do
declínio na economia estadual, em virtude da sobretaxa do charque, a
base da economia, mais o excesso de outros impostos, a ineficiência do
governo da Província e sucessivas perdas agrícolas por pragas naturais e
calote oficial.
Na onda de insatisfação contra o governo imperial, a
quem culpavam de fazer uma política nefasta ao estado, em 20 de setembro
de 1835 rebeldes em Porto Alegre puseram a fugir o presidente da
Província, tomando a cidade. Logo o movimento adquiriu feição
separatista e republicana.
A reação do governo central não tardou. Porto
Alegre foi recapturada logo mas o interior deu sérios trabalhos aos
imperiais até que em 1845, quando comandados pelo Visconde de Caxias,
prevaleceram, e foi assinada a Paz do Poncho Verde, quando foi dada uma
anistia geral aos revoltosos, pagas indenizações aos chefes militares e
libertos os escravos sobreviventes que haviam lutado.
Em determinado momento esta revolta, que chegou a
resultar na proclamação da efêmera República Rio-Grandense e dominar
cerca de metade do estado, propagando-se até Santa Catarina, mobilizou
dois terços da força militar nacional, enviada para sufocá-la.
Nesse
intervalo a economia da província, já fragilizada, entrou em colapso.
Mesmo tendo decretado medidas para melhoria no setor produtivo, os
revolucionários nunca conseguiram organizar de fato a administração da
sua nova República, e os governantes imperiais não tiveram melhor
sucesso, sucedendo-se 19 deles em apenas dez anos. Apesar da derrota
final dos farroupilhas, a guerra serviu para acentuar o espírito
regionalista com a consolidação do poder dos estancieiros, alterou o
equilíbrio de forças nas relações do Rio Grande do Sul com o Império e
se transformou num símbolo de identidade na construção da memória do
estado.
Crescimento e novos conflitos
Ainda que gravemente traumatizado pela guerra, com suas perdas humanas e
materiais e suas rupturas nas redes de confiança mútua que cimentam a
vida em sociedade, a recuperação do estado foi bastante rápida. A
situação nacional era favorável.
O governo de Dom Pedro II pela primeira
vez trabalhava em superávit, e o monarca desejava pacificar os ânimos
locais. Com a restauração das instituições incentivou-se a instalação de
Câmaras em várias cidades e a administração da justiça se normalizou.
As
maiores urbanizações receberam verbas para melhorar a infraestrutura e
os serviços públicos, a lagoa dos Patos foi sinalizada, se formaram
várias associações de comerciantes e produtores, novas levas de
imigrantes alemães foram chegando, a mineração do carvão se desenvolvia
e já se pensava em estradas de ferro para escoar a produção estadual e
circular pessoas.
Em 1851 o estado recebeu um desenho muito próximo do
atual, com a retificação das fronteiras com a República do Uruguai. Em
1854 já havia condições de se fundar o primeiro banco regional, o Banco
da Província.
A repercussão cultural desse surto de progresso também foi
significativa. Em 1832 Rio Grande inaugurava o Teatro Sete de Setembro,
em 1934 Pelotas inaugurava o Theatro Sete de Abril, em 1838 Porto Alegre
inaugurava o Dom Pedro II, em 1945 Bagé inaugurava o Teatro Sete de
Setembro, em 1856 São Gabriel inaugurava o Teatro Velho.
Em 1858 Porto
Alegre inaugurava uma grande casa de ópera, o Theatro São Pedro,
decorado com grande riqueza. Em 1862 surgira Teatro Independência em
Alegrete, em 1870 o Giusep Manzzini em Quaraí, em 1876 o Polytheama
Rio-Grandense em Rio Grande, em 1881 a Sociedade Dramática Particular
Tardia em Santana do Livramento, 1884 o Carlos Gomes em Uruguaiana, em
1890 a Sociedade Dramática Particular em Santa Vitória do Palmar, em
1896 o Recreio Familiar em Dom Pedrito, em 1899 o 13 de Maio em Santa
Maria e, a partir do século XX, muitos outros no Rio Grande do Sul.
Os saraus literários tornavam-se uma moda, e na capital foi fundada em
1868 a Sociedade Parthenon Litterario, reunindo a nata da
intelectualidade gaúcha. Nesse círculo brilharam os primeiros literatos,
educadores, políticos, doutores, artistas e poetas de vulto do estado,
como Luciana de Abreu, Caldre e Fião, Múcio Teixeira, Apolinário Porto
Alegre, Carlos von Koseritz e vários outros.
A instalação dos novos imigrantes alemães, que continuavam a chegar,
porém, se fazia com mais dificuldade. Mudanças nas leis estaduais
tornaram a aquisição de terra onerosa para os colonos e impuseram uma
hipoteca compulsória sobre as terras até sua quitação, e iniciativas
privadas de atração de novos alemães nem sempre foram coroadas de
sucesso.
Também se registraram confrontos sangrentos com remanescentes
dos povos indígenas nas áreas desbravadas, e eventos de violência entre
os próprios alemães, como a Revolta dos Muckers, de caráter messiânico.
Mesmo assim, a colonização como um todo prosperou, trouxe as culturas da
batata, dos cítricos, do fumo, introduziu a cerveja, promoveu a
industrialização, o artesanato, a educação privada e a policultura, e
fundou uma série de outras cidades, como Estrela, São Gabriel, Taquara,
Teutônia e Santa Cruz do Sul, que logo veio a ser o maior pólo produtor
de fumo.
Além disso os alemães logo se organizaram em sociedades
culturais onde se praticava música erudita e se encenavam peças de
teatro, e se notabilizaram por sua luta pela liberdade religiosa e pela
abolição da escravatura.
Em 1864, nova guerra. Desta feita contra o Paraguai. O Brasil fora
invadido por Solano Lopez e o estado enviou mais de dez mil homens para
a frente de batalha. A Guerra do Paraguai afetou diretamente apenas três
cidades gaúchas: São Borja, Itaqui e Uruguaiana, que foram atacadas
várias vezes, mas depois de um ano o conflito direto se moveu para
outros locais, e o estado como um todo foi relativamente pouco abalado.
Mas graças à atuação destacada do gaúcho General Osório no conflito, o
prestígio do estado cresceu sensivelmente. Ele foi um dos fundadores do
Partido Liberal no estado, que iniciou a partir de 1872 uma marcha
ascendente até enfim dominar a situação política gaúcha. Com sua morte
abriu-se espaço para outra personalidade brilhante, o de início liberal
mas depois monarquista Gaspar da Silveira Martins, criador do jornal A
Reforma e ocupante de vários cargos públicos, incluindo o de Presidente
da Província. Ele seria chamado de "o dono do Rio Grande", tal sua
influência.
Propriedade rural italiana na região de Caxias do Sul, fim do século
XIX.A partir de 1874 o trem já circulava entre a capital e São Leopoldo,
dando a partida para a modernização dos meios de transporte no Rio
Grande do Sul.
O ando de 1875 também foi um ano importante, pois
começaram a chegar as primeiras levas de imigrantes da Itália, em novo
projeto oficial de colonização, ora da Serra do Nordeste, ao norte da
área ocupada pelos alemães. Apesar das previsíveis dificuldades de
instalação numa região ainda totalmente virgem, e do limitado apoio
governamental aos colonos, o empreendimento foi exitoso, e até o final
do século chegariam ao estado cerca de 84 mil italianos, sem contar
grupos menores de judeus, polacos, austríacos e outras etnias.
Através
dessa nova onda imigratória se fundaram cidades como Caxias do Sul,
Antônio Prado, Nova Pádua, Bento Gonçalves, Nova Trento e Garibaldi, e
se introduziram produções novas como a uva, os embutidos e o vinho.
Como
acontecera com os alemães, criou-se uma cultura regional muito próspera
e muito característica, até com dialeto, hábitos e arquitetura próprios.
O estado atravessava uma fase de real florescimento, já havia cerca de
100 indústrias em atividade no estado, que evoluíram a partir de
artesanatos e manufaturas, e em 1875 a sociedade se sentiu capaz de
exibir publicamente o resultado de seu esforço numa primeira exposição
geral, montada no Arsenal de Guerra de Porto Alegre.
No catálogo da
mostra constavam 558 produtos, desde roupas, maquinário pesado e
instrumentos de precisão até relógios e obras de arte. O evento foi um
sucesso absoluto, saudado como "um festim do trabalho" pela imprensa da
época.
Batalhão de lanceiros na Revolução Federalista.Mesmo com o crescimento
de várias cidades, principalmente Porto Alegre, Pelotas ainda ocupava a
posição de predomínio econômico no estado, quando o ciclo do charque
entrava em seu apogeu.
Cerca de 300 mil reses eram abatidas anualmente
nas charqueadas da região, gerando grandes lucros para a elite local. O
charque se transformava em pinturas, louças finas, roupas da última moda
francesa, cristais, móveis de luxo, casas elegantes.
Nos jornais os
cronistas se orgulhavam de em sua cidade nem um único edifício público
ter sido pago pelo governo estadual, sendo tudo financiado pelos locais.
Em visita à cidade, o Conde D'Eu observou:
"É Pelotas a cidade predileta do que eu chamo de aristocracia
rio-grandense. Aqui é que o estancieiro, o gaúcho cansado de criar bois
e domar cavalos no interior da Campanha, vem gozar as onças e os
patacões que ajuntou em tal mister".
Enquanto esse ciclo econômico continuava, na política a situação
começava a mudar. Em 1881 voltou à sua terra natal um grupo de jovens
liderado por Júlio de Castilhos, depois de temporada de estudos em São
Paulo, onde entraram em contato com ativos intelectuais e com a
filosofia positivista.
A campanha abolicionista ganhava as ruas e
Castilhos assumiu imediatamente a dianteira do movimento, ao mesmo tempo
em que criava um Partido Republicano diferenciado, o Partido Republicano
Rio-grandense, inspirado no Positivismo, cujo porta-voz foi o influente
jornal A Federação.
A partir de 1884, contando com a participação de
grandes segmentos da sociedade, conseguiram iniciar um processo
gradativo de libertação dos cerca de oito mil escravos do estado, quatro
anos antes da proclamação da Lei Áurea. Os libertos, contudo, não
encontrariam facilmente uma colocação no mercado de trabalho,
reunindo-se em guetos e vilas, sofrendo privações e discriminações de
toda ordem, e obtendo apenas tarefas de baixa remuneração.
Na alvorada da República Júlio de Castilhos assumiu a secretaria do
governo e em seguida participou no Rio da elaboração da nova
Constituição. Voltando ao estado em 1891, passou a trabalhar na
Constituição Estadual.
Aprovada em 14 de julho, no mesmo dia se realizou
a primeira eleição para uma Presidência constitucional, saindo-se
Castilhos vencedor com 100% dos votos. Mas as rivalidades políticas se
acirraram a um ponto sem retorno. O Partido Federalista (antigo Partido
Liberal) lutava pela centralização e o parlamentarismo; o Partido
Republicano pelo sistema presidencialista e pela autonomia provincial.
Depois de várias mudanças de governo deflagrou-se uma nova guerra civil
em 1893, a Se na Revolução Farroupilha ainda se viram
cenas de nobreza, honra e altruísmo, ao longo da Revolução Federalista,
que desejava derrubar Castilhos, de novo no poder, generalizou-se a
crueldade e a vilania.
Décio Freitas diz que foi a mais violenta das
guerras civis em toda a América Latina, e outros que escreveram sobre
ela não cessam de reiterar expressões de horror. Durou mais de dois anos
e ceifou mais de dez mil vidas, imprimindo uma nódoa de ódio fratricida
que até hoje envergonha a memória do estado.
Com a derrota dos rebeldes em 1895, Júlio de Castilhos concentrou em si
o controle absoluto do estado. A oposição se viu completamente
desarticulada e os principais líderes dos revoltosos ou estavam mortos
ou partiram para o exílio, sendo acompanhados por cerca de 10 mil
correligionários.
Então se iniciou uma longa dinastia política que iria
governar o estado por décadas, e influenciaria todo o Brasil através de
um de seus discípulos, Getúlio Vargas. Castilhos controlava toda a
máquina administrativa estadual através de uma rede de subordinados
fiéis, interferindo diretamente na vida dos municípios.
Adepto
entusiasta do Positivismo, orientou sua administração por suas idéias de
ordem, moralidade, civilização e progresso, mas dava pouco valor ao
voto, sendo repetidamente acusado de fraudar as eleições.
Era visto por
seu círculo como um iluminado, e mesmo exercendo um poder ditatorial,
relevou antigas ofensas e não perseguiu seus desafetos, nem obstruiu o
trabalho da imprensa, permitindo considerável liberdade de expressão.
Seu governo foi elogiado até por seus oponentes, como Venceslau Escobar,
que admirou-se de sua "largueza de descortino, realizando e projetando
medidas progressistas".
De fato com ele o estado entrou definitivamente
na modernidade, atualizando uma herança administrativa colonial obsoleta
que até então fora baseada mais no improviso. Sua primeira preocupação
foi reorganizar a Justiça, os transportes e as comunicações. Apoiou os
imigrantes e fomentou o desenvolvimento do interior.
Em 1898 deixou o
governo assegurando a continuidade do seu programa através da eleição de
Borges de Medeiros num pleito sem adversários.
Século XX
Modernização
Quando Borges subiu ao poder o Rio Grande do Sul já tinha cerca de um
milhão de habitantes. Castilhos ainda regia a política estadual como
chefe do PRR, e indicou Borges mais uma vez para Presidente ao fim do
primeiro mandato.
Enquanto Castilhos era uma figura carismática, Borges
construiu uma imagem de discrição e modéstia, não apreciava ostentação
nem publicidade pessoal, mas manteve da mesma forma que seu mentor uma
rédea curta no sistema de poder e foi outro eficiente administrador,
cujo lema era "nenhuma despesa sem receita".
Reorganizou o sistema de
impostos e terminou a reforma do Judiciário iniciada por Castilhos,
incentivou a produção dos imigrantes e a pequena indústria, apoiou a
melhoria nos serviços municipais expandindo redes de água, luz e esgoto,
estatizou ferrovias e o porto de Rio Grande. Manteve uma relação
distante com o governo federal, e por isso o estado acabou sendo
prejudicado com um sempre magro repasse de verbas.
Chegada do trem em Ijuí
Fachada principal do suntuoso prédio dos antigos Correios e Telégrafos,
hoje o Memorial do Rio Grande do Sul, construído na febre edificatória
de Porto Alegre no início do século XX.Quando ia concorrer a um terceiro
mandato a oposição apresentou um adversário de peso, e Borges teve de
encontrar um outro nome, Carlos Barbosa, que acabou vencedor, fazendo um
governo de continuidade.
Na eleição seguinte Borges retornou ao governo,
conseguindo se reeleger uma quarta vez, e realizou mais uma
administração importante. Enfrentou uma das maiores ondas de greves da
história do estado, mas foi conciliador com os grevistas.
Aumentou os
salários dos funcionários públicos e decretou medidas protecionistas
para produtos essenciais como o feijão, arroz e banha. Mas teve de pedir
um substancial empréstimo externo para financiar seu intenso programa de
obras públicas.
Em Porto Alegre ele foi um dos motores de uma febre
construtiva que reformulou o perfil da paisagem urbana, sendo erguidos
muitos prédios públicos de grande luxo e realizadas várias obras de
urbanização, já que a cidade deveria ser "o cartão de visitas do Rio
Grande".
Diversas cidades do interior nessa época já ultrapassavam os
dez mil habitantes onde se multiplicavam os negócios e a sociedade
formava uma nova estratificação. Bagé, Uruguaiana, Rio Pardo, bem como a
capital há mais tempo, já imitavam os hábitos requintados dos pelotenses,
desfrutando de cafés, salas de cinema e teatro, e lazeres
diversificados.
Assinatura do Pacto de Pedras Altas.No início do século o estado
alcançava a terceira posição na economia nacional.
O censo de 1900
acusou 1 149 070 habitantes; 67,3% de analfabetos; 43% dos empregos eram
na área rural. Do total de habitantes, quase 300 mil eram trabalhadores;
destes 56 mil eram mulheres, 49 mil eram artesãos ou possuíam um ofício,
31 mil estavam no comércio.
Havia também 3165 "capitalistas", como
chamavam os grandes industriais e comerciantes, e 4455 funcionários
públicos. Mas as demandas do progresso em ritmo acelerado resultaram em
que a vida das classes operárias estava longe de ser tranquila.
Mesmo
que a industrialização em vários setores já tivesse facilitado as
coisas, ainda era primitiva e exigia muito trabalho pesado. Os salários
eram baixos e mal cobriam o sustento mais básico; os ambientes fabris
não primavam pelo conforto e salubridade; ao contrário, segundo os
padrões atuais, eram locais de trabalho escravo e antros de disseminação
de doenças.
Em muitas fábricas a disciplina ainda era imposta a chicote
mesmo para trabalhadores brancos; funcionários eram submetidos a
revistas periódicas e pagavam pesadas multas por infrações mínimas;
crianças e mulheres faziam usualmente a mesma jornada que os homens
adultos, que podia chegar a ter 15 horas.
No campo a carga de trabalho
era ainda mais pesada - o expediente durava na prática todo o dia, todos
os dias do ano, envolvendo toda a família, e muitas vezes com resultados
incertos. Em vista dessas condições opressivas, desde muito cedo os
operários urbanos e os colonos rurais se viram obrigados a encontrar
garantias e assistência por si mesmos, por meio das associações de mútuo
socorro e sindicatos, que fortaleceram a classe, dando-lhe oportunidade
de articulação e expressão pública.
Começava, junto com a modernização,
a proletarização da força trabalhadora, e com ela não admira a
quantidade de greves e manifestações populares contra as políticas
governamentais, exigindo melhores condições, que começaram a pipocar por
todas as partes.
De 1890 a 1919 os operários fizeram 73 greves locais e
três greves gerais, em anos de explosiva organização, quando
predominavam idéias anarquistas e socialistas. Exercendo uma pressão
efetiva difícil de ignorar, as greves tiveram muitas vezes resultados
favoráveis aos trabalhadores.
Nesse cenário em rápida transformação, a antiga oligarquia pastoril, que
em boa parte enriquecera enormemente e fora enobrecida no império, e
ainda mantinha no fim do século XIX o monopólio dos meios de produção
mais importantes, diante da crescente concentração das atividades
comerciais e industriais nos centros urbanos, ambas em franca ascensão,
viu-se rapidamente perdendo dinheiro, espaço político e influência.
O
resultado foi a última das grandes guerras civis do estado, a Revolução
de 1923, chamada de A Libertadora, que procurou acabar com o continuísmo
de Borges de Medeiros. O tumulto mal chegou às portas das cidades,
limitou-se ao campo, e foi um confronto desigual.
De um lado os
revoltosos, desorganizados, em menor número e com munição precária,
usando armas do tempo da Revolução Farroupilha, contra a Brigada
Militar, bem treinada e equipada com metralhadoras e grande volume de
soldados.
Os revoltosos perderam a questão e Borges ficou por um quinto
mandato, mas teve de renunciar a uma sexta reeleição. O governo federal
não se envolveu, a não ser como intermediário nas conversações que
levaram à Paz de Pedras Altas, selada em 14 de dezembro, que foi um
acordo bastante equânime e conciliador.
Possibilitou um entendimento
real entre as facções maragato (libertadores, assisistas) e chimango
(republicanos, borgistas). Do lado da Federação, houve avanços e recuos
no setor econômico. De início o governo tentou aplacar os estancieiros
suspendendo a importação de charque platino, concorrente mais barato,
mas logo depois iria proibir o escoamento de produtos brasileiros
através de portos estrangeiros, o que foi mais um golpe para as
charqueadas da fronteira oeste, que usavam o porto de Montevidéu.
A
exportação de charque caiu pela metade, o mesmo acontecendo com a carne
resfriada. A economia gaúcha no final desses primeiros trinta anos do
século XX só foi salva pelos ganhos crescentes da indústria e do
comércio, capazes inclusive de sustentar novos avanços no campo
cultural. Logo no ano seguinte um outro foco de agitação se revelaria na
fronteira oeste, por ocasião da formação da Coluna Prestes, enquanto o
governo estadual enviava 1200 soldados para auxiliar no combate aos
revoltosos tenentistas em São Paulo.
Esses movimentos, contudo, tiveram
bem menor repercussão no Rio Grande do Sul e se desenrolaram
principalmente em outros estados.
Os primeiros grandes eventos culturais do século XX aconteceram em 1901:
a fundação da Academia Rio-Grandense de Letras agregando muitos
jornalistas, poetas e escritores, como Caldas Júnior, Marcelo Gama,
Alcides Maia e Mário Totta, e a realização de outra exposição geral em
Porto Alegre, com 3 mil expositores exibindo as tecnologias mais
modernas e os produtos que moviam a economia. Logo em seguida se fundou
o primeiro museu do estado, o Museu Júlio de Castilhos, criado em 1903.
No mesmo ano ocorreu o primeiro evento inteiramente dedicado às artes, o
Salão de 1903, promovido pela Gazeta do Commercio. Este salão, segundo
Athos Damasceno, foi "o primeiro certame a dar às artes do Rio Grande do
Sul um estatuto de autonomia (…) legitimando-as como objeto de aprovação
e distinção social".
Outro marco foi a fundação de várias faculdades em
Porto Alegre - Medicina, Química, Farmácia, Direito e Engenharia - e
mais do Instituto Livre de Belas Artes, incluindo cursos de música e
artes plásticas, que concentraria a produção de arte na capital e seria
no estado inteiro praticamente a única referência institucional
significativa até meados da década de 1950 nos campos do estudo, ensino
e produção de arte Pelo Instituto passaram alguns do nomes mais notórios
da pintura local desse início de século, como Pedro Weingärtner, membro
de bancas de avaliação, junto com Oscar Boeira, Libindo Ferrás, João
Fahrion e alguns mestres estrangeiros, professores contratados.
Também
despontaram mais nomes de peso na literatura e na poesia, como Augusto
Meyer, Dyonélio Machado e Eduardo Guimarães, além de a atividade da
Biblioteca Pública do Estado, reinaugurada com grandes ampliações em
1922, contribuir significativamente para dinamizar as letras locais
Na música se destacaram as atividades do Club Haydn de Porto Alegre,
organizando muitos recitais divulgando autores europeus e brasileiros, e
complementando as temporadas do Theatro São Pedro, onde se apresentaram
astros como Arthur Rubinstein e Magda Tagliaferro e se encenaram as
primeiras óperas gaúchas, Carmela, de José de Araújo Viana, e Sandro, de
Murillo Furtado.
Companhias teatrais e de ópera circulavam com
frequência pelos teatros do interior, pequenos conjuntos vocais e
instrumentais de repertório erudito já existiam em várias cidades, e se
percebia a consolidação de expressões musicais regionalistas e populares
dos hispano-portugueses, dos negros e dos descendentes de imigrantes em
suas colônias.
Também é de destacar o ensino qualificado ministrado pelo
Instituto de Belas Artes, onde atuavam o mesmo Viana junto com Tasso
Corrêa, Olinto de Oliveira e alguns outros mestre. O cinema
tornava-se uma moda muito popular e o esporte já contava com clubes como
o Grêmio e o Internacional, que seriam grandes forças no futebol
brasileiro anos mais tarde.
Anos 30 a 60
Manifestações de rua em Porto Alegre em favor da Revolução de 30.Em 1928
Getúlio Vargas sucedeu a Borges de Medeiros, e foi mais um castilhista
no poder. Buscou o apoio dos estancieiros representando a classe junto
ao governo federal, e protegendo os sindicatos que eles estavam
organizando.
Descobrindo nos custos de transporte o maior problema,
ampliou as ferrovias e incentivou a primeira companhia aérea do estado,
a futura VARIG. Para facilitar o crédito, fundou o Banco do Estado do
Rio Grande do Sul. Sua maior proeza, contudo, foi a dissipação de
antigas rivalidades políticas que afligiam o Rio Grande do Sul desde
muito tempo.
O fruto disso foi a construção da Aliança Liberal, da qual
foi o candidato às eleições nacionais em 1930, vencendo a competição,
contudo, Júlio Prestes. Mas este não chegaria a tomar posse, sendo
deposto pela Revolução de 30, que guindou Getúlio à Presidência com
decisiva participação dos gaúchos.
Getúlio Vargas assumiu o governo levando sua herança política
castilhista e a experiência que tivera com os sindicatos gaúchos, e
diz-se que foi uma fase de "gauchização" da política do Brasil, mas
temperada com os ideais tenentistas.
Decretou a intervenção nos estados
e através da Constituição de 1934 introduziu reformas importantes como o
voto secreto e obrigatório para maiores de 18 anos; o voto feminino;
previu a criação da Justiça do Trabalho e da Justiça Eleitoral, entre
outras coisas. Seu governo instituiu uma versão do castilhismo conhecida
como populismo, pois buscou atrair as classes populares na construção de
uma nova sociedade.
Tinha bons propósitos, mas eles não bastaram para
que a oposição se calasse, e em pouco tempo movimentos se organizaram em
vários pontos do país para removê-lo do Catete. No Rio Grande do Sul a
oposição encontrou forças em José Antônio Flores da Cunha, o interventor
indicado pelo próprio Vargas, e em intelectuais como Dyonélio Machado,
um dos líderes locais da Aliança Libertadora Nacional, de esquerda. A
reação de Vargas foi dura - Flores da Cunha teve de se exilar e os
membros da ALN foram reprimidos violentamente, sendo usada até a
tortura.
Por outro lado, diversas reformas impostas pelo governo federal não
estavam sendo cumpridas no estado, pois a elite industrial e comercial
resistia a abrir mão de direitos tradicionais. Novas greves foram
organizadas, as entidades operárias romperam relações com o Ministério
do Trabalho, e o clima se tornou tenso novamente nos círculos da
produção..
Também a política estadual continuava convulsionada, pois
nesse momento o Brasil, amedrontado com a "ameaça bolchevique", se
encontrava largamente influenciado pelos regimes totalitários europeus
como o Nazismo e o Fascismo.
A repercussão disso no estado foi
especialmente intensa pois os descendentes dos imigrantes italianos e
alemães se haviam identificado com o que se passava em seus países
ancestrais, e nessa altura esses grupos já constituíam grandes e fortes
colônias, respondendo por 50% da população e da renda totais do estado,
e alguns de seus representantes atingiam posições de eminência no
empresariado e na política, como o Intendente de Porto Alegre, Alberto
Bins, de origem alemã, que em declarações públicas expressou sua
simpatia pelo Nazismo.
Os alemães logo passaram a ostentar suas
preferências políticas em passeatas vestidos de trajes militares e
carregando bandeiras com a suástica, enquanto que os italianos se
ufanavam de sua etnia e conquistas incentivados pelo próprio Mussolini.
Outros ainda aderiam ao Integralismo, de caráter similar.
Manifestações de rua em Caxias do Sul em favor do Estado Novo.Apesar da
agitação, a economia havia se recuperado bastante bem depois da crise
econômica mundial de 1929. Na verdade ela relativamente pouco havia
afetado o estado, salvo seu setor financeiro, com a falência de bancos
importantes como o Banco Pelotense, o que selou o início de um longo
período de estagnação econômica para Pelotas e outras cidades.
Mas
nesta época o Rio Grande do Sul abastecia significativa uma parcela do
mercado nacional com sua produção agropecuária. Tanto é que em 1935,
comemorando o centenário da Revolução Farroupilha, foi organizada outra
grande exposição geral em Porto Alegre, a maior que a cidade já vira.
Além de apresentar os frutos da economia gaúcha para a sociedade, teve
uma seção cultural e foi importante também por ter introduzido no sul a
arquitetura modernista, que doravante iria constituir o principal estilo
arquitetônico empregado no estado até os anos 1980, revolucionando as
concepções do urbanismo gaúcho.
Os movimentos de direita
culminaram em 1937 com a criação do Estado Novo através de novo golpe de
estado de Getúlio, que impôs uma Constituição fascista.
A euforia dos
descendentes de imigrantes, que se reuniram em passeatas por vários
pontos do estado para aclamar o novo regime, logo se desfez, pois
Getúlio começou a orientar a política em direção à construção de um
senso de identidade nacional, e assim todos os estrangeirismos começaram
a ser severamente censurados, iniciando um tempo de perseguições e
repressão nas colônias, e em vez de colaboradores no processo de
crescimento e povoação os imigrantes passaram a ser vistos como
potenciais inimigos da pátria.
O processo chegou ao extremo com a
entrada do Brasil na II Guerra Mundial contra os países do Eixo, com
pesadas consequências econômicas e sociais para a região de imigração,
incluindo as colônias da capital.
Na economia a virada foi em direção à unificação do mercado nacional,
com perda de dinamismo regional. Num momento em que algumas indústrias
gaúchas já se projetavam nacionalmente, como a Eberle, a Renner, a Berta
e a Wallig, reversamente se tornava mais fácil a penetração no mercado
gaúcho de concorrentes nacionais.
Ao mesmo tempo desaqueciam as
economias coloniais baseadas em empreendimentos familiares, iniciando um
processo de desvalorização econômica dos artesanatos e manufaturas
tradicionais, das indústrias caseiras e das cooperativas.
Com esse
impacto negativo sobre as colônias também iniciou o êxodo rural no
estado e apareceram as primeiras favelas em Porto Alegre. Entretanto, o
governo estadual tentou minimizar os problemas através de medidas
protecionistas sobre os produtos exportáveis, investindo no setor de
transportes e simpatizando com as questões do setor produtivo como um
todo, além de criar uma rede de centros de saúde.
Com o fim da II Guerra e com a concomitante deposição de Getúlio, as
instituições democráticas começaram a se restabelecer, e em 1947 foi
eleito um novo governador, Walter Jobim, comprometido com a proposta de
expandir a eletrificação das colônias para evitar o êxodo rural. Para
isso construiu diversas centrais de energia, num programa que teve
continuidade com seus sucessores.
Em sua gestão foi aprovada uma nova
Constituição Estadual, ampliando os poderes do Legislativo gaúcho.
Getúlio fora deposto mas manteve seu prestígio, e logo se tornou o líder
do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que teve no estado uma de suas
maiores bases eleitorais. Assim o apelo às massas e ao nacionalismo, e o
combate às tendências de esquerda, continuavam vivos.
No estado a
política se dividia entre o Partido Libertador, porta-voz da elite
pecuarista, o Partido Social Democrático, defendendo os interesses da
burguesia agroindustrial, e o PTB, atuando pelo trabalhismo, a nova
versão do populismo getulista, que tinha em Alberto Pasqualini seu
mentor local. Getúlio acabou sendo reeleito para a Presidência da
República, consagrando o trabalhismo como linha de governo.
O suicídio de Getúlio em 1954 foi intensamente sentido no Rio Grande do
Sul, havendo enormes manifestações de rua.
Mas sua época parecia ter
mesmo passado, pois poucas semanas após o trágico evento os trabalhistas
perdiam a eleição para governador, assumindo Ildo Meneghetti como um
fenômeno eleitoral até então sem precedentes na política gaúcha.
Descendente de italianos, sua ascensão ao poder máximo do estado foi um
claro indicador de que a discriminação que os imigrantes enfrentaram
durante os anos anteriores havia sido superada. Já fora duas vezes
prefeito de Porto Alegre, onde deixara obra sólida priorizando a
habitação popular.
Mas como governador não conseguiu cumprir muitas
metas. O estado estava entrando em uma crise econômica onde, apesar do
crescimento do número de indústrias e da introdução de novas e
lucrativas lavouras como a soja, deixava de ser importador de
mão-de-obra para ser exportador.
E a situação de Meneghetti como
opositor do novo presidente Juscelino Kubitschek deixou o estado à
margem dos investimentos federais em pleno Desenvolvimentismo.
Sucedeu-lhe Leonel Brizola, que seguiu pela tradição trabalhista.
Seu
governo foi pautado por um Plano de Obras, que tinha como objetivo
melhorar a infraestrutura e ampliar a rede escolar. Encampou empresas
estrangeiras, fundou a Caixa Econômica Estadual do Rio Grande do Sul,
reequipou a polícia, estimulou uma reforma agrária de âmbito estadual,
criando o Instituto Gaúcho de Reforma Agrária, e estimulou a criação de
empresas de porteomo a Refinaria Alberto Pasqualini e a Aços Finos
Piratini.
Sua atuação mais dramática foi o lançamento da campanha da
Legalidade, em 1961, que levou multidões para as ruas, quando o Palácio
Piratini, onde ele se entrincheirara, foi votado ao bombardeio pelas
chefias militares federais, o que, devido à desobediência dos soldados
gaúchos, acabou não acontecendo.
Cultura e outros indicadores entre 1930 e 1960
Glênio Bianchetti: Jogo do osso, xilogravura, 1955. Acervo do MARGS.
Exemplo da arte regionalista de cunho social praticada pelo Clube de
Gravura e que se tornou importante para a renovação das artes gráficas
brasileiras.
Escola Marista Medianeira em Erechim, de 1935.Na cultura os principais
movimentos desses trinta anos aconteceram na capital. Foi importante
nesta época a criação em 1934 da Universidade de Porto Alegre, de âmbito
estadual, que foi a antecessora da UFRGS. Pelo fim dos anos 1930 o
Modernismo já estimulava um debate intenso entre a elite pensante sobre
os novos rumos que a arte vinha tomando.
Esse movimento foi introduzido
em Porto Alegre primeiro pelas artes gráficas, com destaque para as
ilustrações em revistas como a Revista do Globo, que tinha grande
circulação, e que mantinha em suas oficinas um grupo de talentosos
ilustradores, alguns dos quais mais tarde definiriam o perfil de toda a
melhor arte local e estadual.
Entre eles estavam Ernest Zeuner, Edgar
Koetz, Francis Pelichek e João Fahrion Para os negros, que vinham até
então sendo continuamente desprezados pela sociedade, o ano de 1943
representou o marco inicial de sua mobilização, quando se fundou a União
dos Homens de Cor, que cinco anos mais tarde já estaria ramificada por
mais dez estados da Federação
Porto Alegre nos anos 1950 já tinha seu desenho largamente transformado
pela arquitetura modernista, que incluía grandes melhorias na planta
urbana e grandes prédios públicos. A cidade já realizava sua Feira do
Livro, dispunha de um museu especialmente dedicado às artes, o MARGS,
uma universidade federal, a UFRGS, ouvia os concertos de sua nova
orquestra sinfônica, a OSPA, e nomes como Mario Quintana, Aldo Obino,
Lupicínio Rodrigues, Dante de Laytano, Aldo Locatelli, Érico Veríssimo,
Manuelito de Ornelas, Paixão Côrtes, Walter Spalding, Bruno Kiefer,
Túlio Piva, Barbosa Lessa, Armando Albuquerque, Ado Malagoli e Ângelo
Guido, entre muitos outros, já eram referência nos campos da literatura,
poesia, historiografia, tradicionalismo e folclore, artes plásticas,
música e crítica de arte.
Na virada para a década de 1960 a vida boêmia de Porto Alegre
enriquecera com um forte colorido político e cultural, reunindo
expressivo grupo de intelectuais e produtores artísticos influentes,
alinhados ao Existencialismo e ao Comunismo.
Entre o fim da década
anterior e os anos que precederam o golpe de 64 foram montadas peças
teatrais de vanguarda, em abordagens polêmicas e desafiadoras do status
quo; as artes plásticas mostravam uma feição realista/expressionista
muitas vezes de cunho social, regionalista e panfletário, destacando-se
a atividade de artistas como Francisco Stockinger, Vasco Prado, Iberê
Camargo e os membros do Grupo de Bagé (de fato atuantes na capital) e do
Clube de Gravura de Porto Alegre. Nessa época a Livraria Vitória se
tornara a maior arena de discussão filosófica e política.
Nos anos 1950 o estado apresentava uma das melhores perspectivas de vida
do país. A vida do gaúcho se estendia em média até os 55 anos, 30% acima
da média nacional, enquanto que a mortalidade infantil era metade da
brasileira; a incidência de tuberculose estava em franco declínio;
iniciava-se a fluoretação da água potável; havia cerca de dois mil
médicos em atividade e mais de vinte mil leitos hospitalares
disponíveis.
O ensino por todo o estado atingia um grau de sensível
avanço, expandindo-se bastante para a zona rural, e com grandes colégios
atuando em muitas cidades, sendo que para isso se contou frequentemente
com o esforço dos religiosos, especialmente os católicos, mantenedores
além de colégios também de hospitais, asilos e outras obras
assistenciais. No fim da década de 1950 havia mais de duas mil escolas
primárias, e as faculdades se multiplicavam, chegando a quase 150.
O
número de cidades com mais de cinco mil habitantes chegava a cerca de 70
e se patenteava a conurbação de Porto Alegre com as cidades vizinhas,
formando uma região metropolitana com mais de 800 mil habitantes, quando
o total do estado ultrapassava 5 milhões.
Durante a ditadura militar
Em 1962 Meneghetti foi reeleito, numa coligação que contou com o apoio
de grandes forças conservadoras, enquanto os trabalhistas estavam
divididos com o surgimento do trabalhismo renovador de Fernando Ferrari.
Meneghetti representava a opção mais sensata para aqueles importantes
setores da sociedade que, temendo o avanço comunista, estavam preparando
o golpe militar de 64, quando o governador desempenhou um papel de
relevo.
Articulou ligações decisivas com líderes nacionais e na
madrugada de 1º de abril de 1964 transferiu o governo estadual para
Passo Fundo, a fim de não ser deposto pela resistência que se organizava
em Porto Alegre pelas forças fiéis a Jango. No dia 4, após Jango se
retirar para o exílio no Uruguai, Meneghetti voltou à capital, conduzido
por uma força combinada de unidades da 3ª Divisão de Infantaria do
Exército, sediada em Santa Maria, e de tropas da Brigada Militar.
O movimento militar consolidou-se através da força. De imediato se
verificaram reações em várias esferas, incluindo manifestações de rua
antigolpe, mas todas foram reprimidas com violência.
O prefeito de Porto
Alegre, Sereno Chaise, foi preso, e junto com ele centenas de pessoas.
Mas em sua maioria foram libertados pouco depois na primeira semana.
Entretanto a repressão permaneceu como o recurso usual de preservação da
nova ordem, justificada como medida de segurança nacional, e logo
aconteceram outras prisões, junto com o fechamento de jornais, das ligas
camponesas, dos sindicatos e da União dos Estudantes, cassações de
políticos, extinção dos partidos e expurgos de professores das
universidades. Também se criou o sistema de eleição indireta para
governador.
O principal teórico do regime foi o general gaúcho Golbery
do Couto e Silva, que assumiu a chefia do Serviço Nacional de
Informações, embora ele pessoalmente não fosse um adepto da linha dura.
Até 1968 os estudantes permaneceram como a principal força de oposição
aos militares, desafiando-os em vários confrontos. Nesse mesmo ano foi
instituído o AI-5, que desencadeou novo ciclo de cassações, generalizou
a censura à imprensa e a oficialidade passou a se valer da tortura e
morte como meio de silenciar as vozes contrárias.
O centro Administrativo do Estado, erguido nos anos 1970, com um monumento
de Carlos Tenius em primeiro plano celebrando a colonização açoriana em
Porto Alegre. Entrando nos anos 1970 o regime militar atravessava sua
fase mais rigorosa, mas ao mesmo tempo o país iniciava uma fase de
euforia com a conquista do tricampeonato mundial de futebol e com o
aceleramento econômico, num ciclo conhecido como o Milagre Brasileiro,
quando o crescimento chegava a mais de 10% ao ano.
Com isso se
realizaram grandes obras públicas nas cidades, em especial Porto Alegre,
e o estado passava a ser um dos motores da economia nacional por meio do
enorme incremento da cultura da soja, então o principal produto do
estado e o mais importante item das exportações do Brasil, com crédito
subsidiado, isenção de impostos e massivos investimentos na mecanização
das lavouras.
Com a soja em alta os produtores enriqueceram e a
concentração de terras aumentou, e os rendimentos públicos foram
aproveitados também na expansão das redes de assistência médica e
escolar, mas a mecanização expulsou o trabalhador do campo agravando o
êxodo rural. A ênfase em apenas um setor produtivo, protegido por
diversos incentivos, acabou por desequilibrar a economia do estado com
uma grave crise fiscal, exacerbada com a subida do preço do petróleo,
levando ao déficit público e a um severo endividamento externo.
Mas
outros setores do governo, mais radicais e descontentes com as novas
concessões, conceberam ações independentes de repressão a fim de
desmoralizar o governador, tornando-se emblemático o sequestro de Lilian
Celiberti e Universindo Diaz, que foram levados ao Uruguai e lá
torturados e condenados por crimes, como parte da Operação
Condor, uma aliança entre os vários regimes militares
da América do Sul com o objetivo de coordenar a repressão aos opositores
dessas ditaduras. De qualquer forma o processo de distensão era
irreversível.
Em 1979, em iniciativas pioneiras, o estado começou um processo de
anistia dos perseguidos que eram contra a ditadura militar.
Resistência intelectual
Nos anos de chumbo, com o ambiente rigorosamente controlado, a vida
intelectual independente sobrevivia em guetos. Um dos mais célebres foi
a "Esquina Maldita", em Porto Alegre, localizada diante do campus
central da UFRGS. De acordo com Nicole dos Reis, foi
"um ponto de discussão das questões políticas locais e nacionais pelos
intelectuais e artistas da época. Era um surgimento de um espaço de
contestação em um bairro, o Bom Fim, que é citado (…) como o principal
ponto de sociabilidade dos componentes desta rede social".
Juremir Machado da Silva complementa, reforçando sua importância,
dizendo que ela foi um espaço em que
"intensificou-se as lutas pela emancipação da mulher, fortaleceu-se o
respeito pelos homossexuais, combateu-se o machismo, viveram-se
radicalmente os sonhos das relações abertas e da liberdade sexual. Ou
seja, partiu-se para a defesa das diferenças. Pela esquina maldita,
Porto Alegre mergulhou na pluralidade cotidiana, caminhou em direção ao
direito à singularidade e aprofundou-se no exame e na recusa do
conservadorismo moral".
A Rainha e princesas da Festa da Uva saudando o casal presidencial.
Apesar de o Rio Grande do Sul ser um dos estados brasileiros mais
endividados, com cerca de 30% de seus ativos (2005) sob forma de dívida
ativa, praticamente toda em cobrança judicial, e sendo obrigado a
emprestar recentemente US$ 1,1 bilhão do Banco Mundial para
reestruturação da dívida pública,[33] sua situação geral no presente é
bastante positiva.
Segundo o relatório de 1998 da ONU o estado alcançou
um IDH superior à média nacional, com 0,869 pontos, conduzido pela boa
distribuição de renda e o alto nível de escolarização, permanecendo o
analfabetismo abaixo dos 10%. Em 2007 o PIB estadual era o quarto maior
do Brasil, chegando a R$ 175 bilhões, e o PIB per capita estava em R$
15,8 mil. A expectativa de vida está na casa dos 70 anos, e a população
total ultrapassou os 10 milhões de habitantes, sendo que 80% dela vive
em zona urbana, embora ainda cerca de 40% dos recursos estaduais sejam
gerados no campo.
Festas de produção como a Festa da Uva, a Expointer, a
Fenasoja e a Fenarroz já constituem eventos internacionais, onde se
realizam negócios vultosos. O Rio Grande do Sul é também atualmente um
dos maiores produtores e exportadores de grãos do país, e esses fatores,
junto com as boas condições das estradas, telecomunicações e energia e
os programas de fomento econômico do governo estadual, o situam como o
estado brasileiro mais atraente para investimentos nacionais e
estrangeiros.
Cabe ressaltar que as universidades têm se tornado em
ativos centros regionais de pesquisa em vários campos, introduzindo uma
série de novas técnicas e recursos tecnológicos nos setores produtivos e
aprofundando a produção intelectual, fomentando as economias e a cultura
das áreas onde se localizam com um trabalho altamente qualificado. O
governo do estado também têm se juntado a esse esforço acadêmico
investido na pesquisa em ciência e tecnologia, havendo vários programas
oficiais para amparo aos pesquisadores.
A boa posição geral do estado esconde, porém, sérias disparidades
regionais. Na região oeste os índices de mortalidade infantil estão
entre os mais altos do Brasil; as culturas tradicionais nas colônias
evidenciam sério depauperamento com a ruptura das ligações com o passado
diante da modernização generalizada; as grandes concentrações urbanas
enfrentam desafios difíceis no que diz respeito à habitação, poluição,
emprego, segurança e outras questões básicas de infraestrutura e
serviços.
A área plantada vem diminuindo e as grandes redes de comércio,
serviços e indústrias competem com a pequena empresa, desestruturando os
pequenos mercados regionais, um sintoma da globalização que tem
caracterizado a economia mundial em anos recentes.
Cultura e sociedade
Passeata de abertura do Fórum Social Mundial de 2003.As últimas décadas
confirmaram o Rio Grande do Sul como uma voz importante, dinâmica,
atualizada - sendo por vezes até vanguardista - e politicamente engajada
no cenário cultural brasileiro. Em todo o estado existem centros
culturais e universidades em atividade intensa. Num panorama geral desse
período se destacam alguns pontos importantes, entre eles:
a recuperação da memória social, da cultura imaterial e do folclore,
revelados no resgate da figura do gaúcho, dos imigrantes, do negro e
outros grupos minoritários, dos bens materiais com a preservação da
arquitetura antiga e a multiplicação dos museus histórico-artísticos, e
nos grandes investimentos em cultura, patrimônio e turismo cultural;
a criação de uma cultura decididamente cosmopolita nos grandes centros
urbanos;
a conscientização sobre os problemas do meio ambiente, com início de
movimentos ecológicos e a evidência do interesse governamental na
criação de leis ambientalistas e de áreas de preservação, e junto com
isso se valorizou o cenário paisagístico do estado, com o aquecimento do
setor turístico;
a revelação do estado de abandono e pobreza em que se encontravam as
populações indígenas;
a problematização do convívio social em cidades, com a elevação dos
índices de crime com ameaça à vida e à propriedade, gerando um
sentimento geral de insegurança. Em todas as áreas com deficiências
foram tomadas medidas saneadoras, embora ainda muito falte fazer e as
reclamações da sociedade sejam constantes.
Em retrospecto, no início dos anos 1980 a sociedade civil começava a
reconquistar seu espaço de representação política. A produção artística
estadual, bem como a brasileira, que haviam sido mantidas sob a pressão
da censura, rearticularam-se sob uma forma altamente politizada,
reivindicando a normalização da vida institucional e cultural
brasileira. Porto Alegre iria conduzir os principais avanços. Sandra
Pesavento afirma que neste período
"em Porto Alegre começa o movimento local ‘Deu Pra Ti anos 1970’ que
comemorava o fim da década. A geração que crescera com o AI-5 e os
deserdados dos anos 1960 e 70 reclamavam um outro país e uma outra
cidade em seus sonhos".
Neste novo panorama da vida urbana portoalegrense, um dos espaços mais
importantes foi o bairro Bom Fim e seus bares, formando quase uma
república independente encravada no coração da cidade.
Ali se reuniam os
principais líderes da atividade contestatória da época, freqüentadores
de diferentes ideologias, que viviam utopias transformadas em estilos de
vida - como os punks, os rockers, darks, junto com cineastas, filósofos,
poetas e literatos - das quais resultaria a definição de identidade de
toda uma geração. Foi o ponto de efervescência da cena musical
underground e pop, com o surgimento de várias bandas e cantores que
marcaram a música local, como Os Replicantes, Bebeto Alves, Os
Cascavelletes, Nei Lisboa, TNT, Graforréia Xilarmônica, entre outros, e
que foram louvados pela crítica do Brasil. Novamente Juremir Machado da
Silva esclarece:
"Criamos um território de combate. Ali conviviam aqueles que estavam
colocando em xeque os valores sociais. Mas, mais do que isso, estava na
ordem do dia a discussão de um projeto político para a sociedade".
Outras áreas que
cresceram foram o teatro e o cinema, com a edição de grandes festivais
como o Festival de Gramado e o Porto Alegre em Cena e o surgimento de
muitos realizadores talentosos. Literatura, artes plásticas, poesia,
música, filosofia, e outros ramos das artes e humanidades acompanharam o
florescimento.
Alguns de seus artistas, como Roberto Szidon, Vera Chaves
Barcellos, Luis Fernando Verissimo, Jorge Furtado, Moacyr Scliar e
Regina Silveira, são nomes internacionais, e existem muitíssimos outros
que são reconhecidos em âmbito nacional. O estado já sedia uma Bienal
importante, a Bienal do Mercosul, recebe shows e espetáculos do Brasil e
do exterior, e organiza eventos de grande repercussão como o Fórum
Social Mundial.
O esporte igualmente conheceu grande progresso; atletas
como Daiane dos Santos e Ronaldinho Gaúcho são estrelas de fama mundial;
os velejadores Nelson Ilha, José Luís Ribeiro e Fernanda Oliveira já
trouxeram muitas medalhas panamericanas incluindo uma olímpica, André
Luiz Garcia de Andrade foi duas vezes medalhista paraolímpico com ouro
em Atenas, enquanto que o Inter e Grêmio, de já longa trajetória, são
equipes de futebol que se colocam entre as mais conhecidas do Brasil,
tendo ambas conquistado vários títulos internacionais e possuindo
grandes torcidas.
A reconstrução do "gaúcho" e os vários gaúchos
Há que se tratar com especial interesse a reabilitação da figura do
gaúcho, um dos mais fortes símbolos da identidade estadual. Entre o fim
dos anos 40 e o início dos 50 se iniciara uma fase de novo interesse
pelo passado, em vista do rápido desaparecimento das tradições campeiras
com o progresso econômico e a internacionalização dos costumes.
Nessa
época apareceram Barbosa Lessa e Paixão Cortes como figuras de proa
nesse processo, iniciando uma série de pesquisas antropológicas quando
essa ciência mal era reconhecida no estado. Segundo Cortes
"Era o auge do pan-americanismo. Para se ter uma idéia, se um camponês
saísse de casa em direção à cidade, carregava uma muda de roupas para
substituir as bombachas quando fosse chegar. Se não fizesse isso era
visto com maus olhos. Era considerado um cidadão de segunda classe. O
próprio chimarrão, na cidade, era consumido apenas dentro da residência
e longe das janelas.
Enquanto o modernismo estava na ordem do dia, um
grupo de jovens secundaristas saía na busca de suas raízes. (…) O gaúcho
sempre existiu como o tal centauro dos pampas, o monarca das coxilhas
ligado a um fato épico, histórico e político, e não mais do que isso.
Mas esta é uma figura poética que surgiu para se transformar em um
símbolo.
E símbolos são importantes para que se mantenha a identidade do
povo. Só que esta imagem já existia. O que fizemos foi recuperá-la e
dar-lhe uma outra dimensão. Até então, o aspecto social e recreativo era
totalmente desconhecido.
Era "Boi Barroso", "Prenda Minha" e estamos
conversados. Encerrou-se o repertório musical e coreográfico do Rio
Grande. Havia os registros do Cezimbra Jacques e do Simões Lopes Neto,
tinha ali "O Balaio", por exemplo. Mas como se dança? Como se canta?".
Essa busca, porém, estava em sua origem mais ligada a um desejo de
reconstrução histórica do que de interpretação, e paradoxalmente iniciou
no ambiente urbano. Em 24 de abril de 1948 aqueles folcloristas, junto
com um grupo de jovens estudantes, fundaram em Porto Alegre o Centro de
Tradições Gaúchas 35. Ali tomavam mate e imitavam os hábitos do
interior, entre eles o da charla (conversa) que os peões entretêm nos
galpões das estâncias. Barbosa Lessa recorda que
Apresentação de dança gauchesca."não se tinha muita pretensão de
revolucionar o mundo, embora nós não concordássemos com aquele tipo de
civilização que nos era imposto de todas as formas (…) não pretendíamos
escrever sobre o gaúcho ou sobre o galpão: desde o primeiro momento,
encarnamos em nós mesmos a figura do gaúcho, vestindo e falando à moda
galponeira, e nos sentíamos donos do mundo quando nos reuníamos, sábado
à tarde, em torno do fogo-de-chão".
Desde lá o movimento tradicionalista foi lentamente ganhado visibilidade
e se constituindo num verdadeiro estilo de vida para muitas pessoas
mesmo nos núcleos urbanos. Nos anos 60 apareceram artigos e palestras
sobre o assunto, e também a figura de Teixeirinha, um fenômeno de
popularidade.
Em 1971 se realizou a primeira Califórnia da Canção
Nativa, que se ramificou em centenas de outros festivais similares pelo
estado, onde aspectos da música pop também foram assimilados. Esses
festivais deram espaço para expressões politicamente engajadas que
levaram a uma integração entre regionalismos campeiros de vários países
do Cone Sul, cujas histórias tiveram muitos pontos de contato.
Mas foi a
partir da década de 1980 que o ritmo desse processo cresceu enormemente,
a ponto de ganhar respaldo da cultura oficial, atrair simpatizantes de
outras origens culturais além da campeira como os alemães e italianos, e
inspirar a criação de centenas de CTGs, além das fronteiras estaduais,
até no exterior.
Em 1980 cerca de novecentos mil gaúchos (11,5% do
total) moravam fora do Rio Grande do Sul, levando as tradições locais
com eles. É certo também que divulgação tão maciça e muitas vezes
acriteriosa e desinformada deu margem à formação de estereótipos
mistificantes e hibridismos espúrios, que vêm sendo questionados tanto
na pesquisa acadêmica como na cultura popular, muitas vezes até de forma
humorística.
O gaúcho "típico", finalmente, não é a única imagem do gaúcho real
contemporâneo. As outras inúmeras etnias e segmentos culturais que
compuseram a sociedade gaúcha conseguiram em anos recentes apreciável
nível de articulação para a conquista de seu espaço.
Nas regiões
italiana e alemã as festividades folclóricas são inúmeras, originando
divisas, teses acadêmicas, filmografia e literatura ficcional, além de
um sentimento de coesão social legítimo em função da autenticidade do
testemunho histórico onde se baseiam essas interpretações modernas do
passado.
É verdade que as tradições perderam muito diante da sua
transformação em produto à venda e da modernização da vida em geral, e o
que hoje se consome como "tradição" muitas vezes é apenas um eco diluído
e estilizado de uma realidade irremediavelmente perdida, mas esses
movimentos têm conseguido se cristalizar em símbolos eficientes e
cultivar expressões autênticas o bastante para assegurar a consolidação
e preservação de uma memória social significativa e veraz, com o aval de
inúmeros pesquisadores sérios e patrocínios oficiais.
Além disso em
muitos pontos do estado ainda se encontram manifestações vivas e
espontâneas dos antigos costumes. A cultura urbana também criou traços
característicos aparentes em seus neologismos, seus hábitos sociais
diversificados e cosmopolitas, no acesso fácil à tecnologia de ponta e à
informação, e no surgimento de um folclore próprio, já objeto de estudo
acadêmico.
E como eles os judeus vêm revisitando sua história, os
polacos, os negros, e os outros grupos minoritários, levando à reescrita
de largos trechos da historiografia oficial do Rio Grande do Sul e, no
diálogo entre tais culturas distintas, a uma maior integração interna e
à síntese de novas formas de expressão e arte, algumas de notável vigor
e originalidade.
Referências
Wikipédia
Ache Tudo e Região
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