-
Onças-pardas 'perderam o medo' de
vizinhos humanos no Rio - e por que o risco é
maior para os bichos
A primeira reação de
Marcos Ramos ao se deparar com o cadáver de um
de seus cães em sua casa em Araras, distrito de
Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro,
foi imaginar que o animal morrera em uma briga
com outros que ele cria em seu sítio.
No entanto, ao
examinar a carcaça mais de perto, o engenheiro
teve um sobressalto.
"O bicho tinha sido
dilacerado. Não era algo que um dos cachorros
que tenho poderia ter feito", conta o
engenheiro.
O episódio ocorreu no
final de 2016. Um veterinário analisou as
feridas e disse acreditar que pudesse ter sido
um ataque de felino de grande porte. No caso da
região serrana do Rio, só poderia ser uma
onça-parda.
Dias mais tarde, ao
ouvir os cães latindo na madrugada, Ramos foi ao
quintal e flagrou uma onça a poucos metros de
distância. O felino fugiu para o mato depois de
o engenheiro gritar e fazer barulho, além de
atirar uma escada e tijolos ao chão.
O sítio de Ramos fica
em uma parte relativamente urbanizada de Araras,
e nas proximidades de uma reserva biológica. Ele
continua alimentando os cachorros à noite, mas
já não caminha pelo sítio sem ao menos dois ou
três animais.
"Eu não a vi mais
depois, mas estou totalmente ressabiado desde o
encontro. Isso porque a onça agiu calmamente,
até na hora de ir embora."
Mais perto
É um encontro ainda
raro, mas que tende a se tornar corriqueiro.
Biólogos e ambientalistas alertam que as
distâncias separando mata e ocupações humanas na
região têm diminuído e poderão tornar os
avistamentos de onças mais comuns, a exemplo do
que ocorre em outros pontos do país e do mundo.
"A onça-parda é o que
chamamos de bicho vagabundo. Pode resistir mais
a alterações em seu habitat do que outros
bichos, como a onça-pintada. Ela foi muito
caçada, mas mostra uma capacidade de
ressurgimento impressionante. E vai se atrevendo
se recebe espaço. Nos subúrbios de Los Angeles,
por exemplo, onças-pardas, que nos EUA são
chamadas de pumas, já foram vistas revirando
latas de lixo e atacando animais domésticos",
explica o paraense Carlos Peres, professor de
Ciências Ambientais da Universidade de East
Anglia, no Reino Unido.
Perigoso? Sim. Mas
muito mais para os animais, segundo os
especialistas.
Parte da lista de
espécies ameaçadas, a onça-parda (Puma
concolor), também conhecida no Brasil como
suçuarana, habita praticamente todo o território
nacional. Adapta-se até a ambientes mais
impactados pela ação humana, como plantações -
canaviais, pela presença de ratos, são áreas
atraentes.
Mas o felino tem medo
do homem, e os casos de ataques a humanos são
raros. As pardas têm porte menor do que a temida
onça-pintada, essa, sim, robusta o suficiente
para "encarar" humanos - a pintada pode medir
até 2,10 m de comprimento e pesa 150 kg, quase
duas vezes maior que a parda.
"Em 14 anos de
profissão, eu nunca fui informada de ataques de
suçuarana a humanos. Elas não têm porte para
atacar adultos, a não ser que se sintam acuadas.
Alimentam-se de animais como cotias e pacas. Na
verdade, as onças-pardas é que correm o maior
perigo nesses encontros", explica Cecília
Cronemberger, bióloga e analista ambiental do
Parque Nacional da Serra dos Órgãos, em
Teresópolis (RJ).
Especialistas estimam
que a população de onças-pardas no Brasil gire
em torno de 30 mil a 40 mil indivíduos. É
difícil dizer com precisão porque, além da
dificuldade em rastrear espécies, as suçuaranas
não apresentam diferenças marcantes entre si, ao
contrário das onças-pintadas, cujo padrão de
manchas é único individualmente.
Por que beijamos (e
outros animais não)?
Outra dificuldade é
que suçuaranas têm atividades noturnas e
circulando por áreas extensas - seu território
pode chegar aos 200 km².
Isolamento
Apesar de os números
ainda não conferirem à parda o status de animal
perigosamente ameaçado de extinção,
especialistas se preocupam com outro efeito da
redução de território das onças - o isolamento
de grupos populacionais.
A longo prazo, isso
reduz a troca de material genético entre as
populações e afeta a capacidade da espécie de se
reproduzir, algo complicado diante do fato de
que as onças-pardas têm reposição de indivíduos
lenta.
Um estudo publicado em
2013 pelo Instituto Chico Mendes, em parceria
com o Ministério do Meio Ambiente, lista uma
série de ameaças para as onças-pardas, como
expansão agropecuária e atropelamentos.
Mas a lista inclui uma
causa mortis que vem à mente de ambientalistas
todas as vezes em que há notificação de um
avistamento - a retaliação humana.
"É comum ouvirmos
falar de uma onça-parda sendo avistada e depois
nunca mais dando sinal de vida. Isso é sempre um
mau sinal, especialmente em áreas rurais, pois o
animal pode ter sido morto depois de ataques a
rebanhos, apesar de ser crime ambiental. Também
enfrentamos o problema da caça ilegal", diz
Cronemberger.
As estatísticas
mostram uma disparidade nos ataques: nos EUA,
por exemplo, houve menos de cem ataques desses
felinos a humanos desde 1890, e não mais que 20
mortes. Apenas em um Estado americano, o
Colorado, estima-se que 467 onças sejam mortas
anualmente.
À vontade
Peter Crawshaw, um dos
mais conceituados especialistas em felinos no
Brasil, afirma que o principal problema é a
redução da disponibilidade de alimento, que vem
junto com a perda de terreno.
"As onças estão se
habituando a viver mais próximas às pessoas, o
que é a resposta de um animal inteligente à
perda ou alteração do seu habitat para poder
sobreviver."
Isso ajuda a explicar
por que o fotógrafo Antônio Carlos Barros se
deparou com uma suçuarana no meio da rua em
Petrópolis, em 2014. A câmera que ele levara
para fotografar a caminhada acabou registrando
um flagrante - tremido, por razões
compreensíveis - de um felino caminhando pelo
piso de paralelepípedos.
"O que mais me chamou
a atenção é que a onça estava totalmente à
vontade. Parecia despreocupada. Ela caminhou em
minha direção e eu entrei no carro para
fotografá-la. Na época, disseram que queimadas e
obras de construção de uma nova estrada
explicavam a aparição. Espero que ela não tenha
sido morta", diz Barros.
Existem conselhos para
situações deste tipo. Cecília Cronemberger, do
Parque Nacional da Serra dos Órgãos, diz que a
principal dica é levantar os braços e dar a
impressão de maior altura ao animal, além de
gritar e atirar objetos - não se deve correr ou
fingir de morto.
"Quem tem animais em
áreas urbanas deve ainda deixá-los protegidos,
porque a onça-parda é oportunista e busca
alimentos mais perto do ser humano se houcer
necessidade. Mas é preciso termos consciência de
que nós, humanos, é que estamos cada vez mais
invadindo o espaço do animal. A região serrana
cresceu tanto que hoje é quase parte da região
metropolitana do Rio."
Avistamentos de
suçuaranas também trazem certo alívio a
biólogos. A presença dos animais indica que
encontraram boas condições ambientais, em
especial abrigo e alimento. É como uma espécie
de atestado de equilíbrio do ecossistema local.
A onça-parda tem um
papel importante na cadeia alimentar, pois
controla espécies que estão abaixo dela. E que
também podem causar transtornos se a população
crescer muito.
"Nos EUA, há estudos
mostrando que o impacto ambiental em áreas onde
o Puma concolor teve presença reduzida foi visto
até em aspectos como erosão de terrerno e
assoareamento de rios", explica Carlos Peres.
(conteudo BBC Brasil) |
Conheça
o
Ache
Tudo e Região
o portal
de todos Brasileiros. Cultive o hábito de ler, temos
diversidade de informações úteis
ao seu dispor. Seja bem
vindo, gostamos de
suas críticas e sugestões, elas nos ajudam a
melhorar a cada ano.
|
|
|
Copyright © 1999 [Ache Tudo e Região]. Todos os direitos reservado. Revisado em: 15 novembro, 2021. Melhor visualizado em 1280x800 pixel |
|