Atualmente, os Suyá estão
distribuídos em aldeias e postos. Ngôjwêrê, aldeia localizada no limite da
Terra Indígena Wawi (reconquistada pelos Suyá, como relatado adiante), é
onde vive a maior parte da população, desde 2001, e local de uma antiga
aldeia onde uma parte do grupo morou no final dos anos 50, quando foram
procurados pelos Villas-Bôas.
Até 2000, habitavam a aldeia Ricoh, atualmente desativada. Os Suyá vão até
lá para pegar produtos em suas antigas roças, além de se abastecer nos
pequizais e mangabais.
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Uma parte dos
Suyá habita a aldeia Ngôsokô, para onde se mudaram quando começaram a
reivindicar a TI Wawi, anteriormente fora da demarcação do PIX. Há ainda
duas pequenas aldeias, em cada uma vivendo apenas uma família extensa
suyá: Roptôtxi e Beira Rio. |
O Posto de Vigilância Wawi, localizado na beira do rio com esse nome, é
administrado pelos Suyá e lá vivem duas famílias extensas. O Posto indígena
Diauarum também é habitado por algumas famílias suyá, especialmente de
pessoas que atuam como funcionários da ATIX e da Funai. Estas famílias
também têm casas nas aldeias. Há ainda um Suyá que possui uma casa em
Canarana, a cidade mais próxima das aldeias, utilizada quando ele e membros
da sua família vão para a cidade.
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Os Suyá têm se destacado
na luta pela integridade de seu território, tanto no que diz respeito a
questões ambientais, quanto a pleitos pela recuperação de suas terras
tradicionais que ficaram fora dos limites do Parque. Para proteger o rio
Suiá-Missu, durante a década de 90 participaram de várias apreensões de
pescadores e outros invasores. |
Ao perceberem que as águas do Suiá-Missu estavam ficando barrentas e
apresentando continuamente manchas de óleo, realizaram uma expedição em
setembro de 1992; composta por cinco suyá e o chefe do posto indígena
Diauarum – em que subiram o rio até a fazenda Jaú, também conhecida como
fazenda Roncador, que é um dos maiores empreendimentos agropecuários da
região. Ali encontraram uma enorme draga escavando o leito do rio Daro,
afluente da margem esquerda do Suiá-Missu. Dois anos depois, a poluição já
se fazia sentir no próprio rio Xingu, de modo que os Suyá realizaram uma
nova expedição até a fazenda, dessa vez acompanhados por membros de outros
grupos do parque, como os Ikpeng e os Kaiabi, além do chefe do PI Diauarum,
totalizando dez indivíduos. A draga continuava lá e o gerente da fazenda
alegou que a obra de aprofundamento do rio estava atrasada e que ainda
duraria alguns meses. Este caso despertou uma percepção de futuro bastante
preocupante para a sociedade suyá. Com a ocupação efetiva da bacia do
Suiá-missu por fazendas, os índios tinham perdido o controle de importante
área de uso tradicional, incluindo o curso integral do Suiá-Missu e dos seus
afluentes mais importantes. Assim, toda a poluição das cabeceiras fluiu para
o Parque, poluindo todos os rios em seu interior.
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Outra importante atuação
dos Suyá foi a paralisação do desmatamento de fazendas localizadas na
margem direita do Rio Wawi (o primeiro rio que entra no Suiá-Missu,
também conhecido como Santo Antônio), afluente da margem esquerda do
Suiá-Missu. Em 1994, os Suyá tomaram o controle do rio, sob protesto dos
fazendeiros afetados, e reivindicaram o reconhecimento daquela região
como terra indígena. Sabedores de que lhes seria impossível recuperar o
domínio sobre todo o Suiá-Missu, já que ele se estende para muito além
do Parque, os Suyá procuraram ao menos reivindicar o controle de uma
sub-bacia: o igarapé Wawi, cujas cabeceiras estão dentro dos limites do
PIX e que corre próximo aos seus limites originais. Vitoriosos nessa
empreitada, a TI Wawi foi homologada em 1998. |
Mas o avanço do desmatamento levado a cabo
por fazendeiros não cessou e tem assustado as comunidades suyá. Neste
momento, estão enviando um aviso aos vizinhos e autoridades, denunciando a
invasão da soja na vizinhança de suas terras. E ameaçam: "Se vier máquina
plantar soja aqui, nós vamos lá quebrar tudo". A empresa multinacional
Cargill, que beneficia soja, está implantando novas unidades de armazenagem
em Mato Grosso, sendo uma em Canarana e outra, já praticamente pronta, em
Querência. E anunciou ainda a construção de outra unidade na sede da fazenda
Gabriela, a 40 Km do sul do Parque Indígena do Xingu. Quem anda pela estrada
que liga Canarana ao parque não pode deixar de notar a expansão das
plantações de soja e o aumento dos desmatamentos associados.
MITO E HISTORIA
O lugar para se começar uma discussão da
história e da dinâmica cultural suyá é em sua mitologia. Diferentemente de
algumas sociedades indígenas, tais como as do Alto Xingu, a sociedade suyá
não foi fundada por um criador ou por um herói cultural, mas se deu em uma
série de episódios envolvendo seres humanos "normais". A sociedade suyá
tomou forma através da apropriação de traços específicos de animais e
inimigos indígenas. Assim, o fogo (e a prática de cozinhar) foi obtido do
Jaguar; o milho (e a prática de plantar) foi obtido do camundongo; e o
sistema de nomeação (básico para a identidade social e para todas as
cerimônias) foi obtido de um povo inimigo que vivia debaixo da terra. Os
Suyá dizem que mais tarde encontraram um grupo muito parecido com eles
mesmos, que usavam discos labiais e que escarificavam seus corpos, mas que
eram canibais, de quem incorporaram tais costumes. Já as canções foram
aprendidas de inimigos míticos e índios Suyá em vias de metamorfose em veado
ou queixada. Conseqüentemente, a visão que os Suyá têm de si mesmos é de uma
sociedade formada através da apropriação seletiva do que era bom e bonito de
outros seres.
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Abandonando o domínio do
mito para a história oral, os Suyá concordam que em um passado longínquo
vieram do nordeste; na região do norte do Tocantins ou do Maranhão. Dali
moveram-se em direção oeste, atravessando o rio Xingu para o Tapajós,
onde lutaram com uma série de grupos indígenas, incluindo aqueles que
eles identificaram como os Munduruku e os Krenakarore (Panará). Sempre
lutando, deslocaram-se em direção ao sul. Em um determinando ponto os
Suyá dirigiram-se para o leste, em direção ao rio Batovi, e entraram em
contato com o Alto Xingu. Outro grupo suyá (que veio a ser chamado
Tapayuna) moveu-se eventualmente em direção aos rios Sangue e Arinos,
aonde foi posteriormente (e desastrosamente) "pacificado", em 1969. |
O primeiro contato dos Suyá com a sociedade não indígena provavelmente se
deu por meio da expedição de Karl von den Steinen, de 3 a 6 de setembro de
1884, quando acamparam às margens do Xingu, no lado oposto à aldeia. A
descrição do cientista alemão enfatiza a diferença dos Suyá em relação aos
outros grupos da região. Ele os descreve como pintados de preto e vermelho
("sem arte"), dormindo no chão, em casas pequenas, com uma cultura material
muito simples, e a "casa dos homens" no centro da aldeia, que, diferente do
Alto Xingu, é desprovida de paredes. Os Suyá contaram que antes do contato
permanente, seus avós chamavam os brancos de "povo de pele grande", pois
suas roupas caíam folgadamente sobre seus corpos.
Não existe uma data precisa para a chegada dos Suyá no Xingu. A partir do
comentário de alguns deles, eu estimaria que ocorreu na primeira metade do
século XIX. As relações entre os Suyá e os grupos que eles encontraram no
Alto Xingu oscilaram entre a harmonia e a hostilidade. Como conseqüência de
suspeita de feitiçaria (causadora de doenças) e ataques, moveram-se para o
norte rumo a foz do rio Suyá-Missu. Ali os Suyá massacraram os Manitsaua e
capturaram mulheres e crianças Iarumã (grupos hoje extintos), que foram
incorporadas às aldeias, e os rios Manitsaua-missu e Suyá-missu ficaram
livres para os Suyá.
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Os Juruna (Yudjá) e os
Kayapó setentrionais entraram na região no final do século XIX pelo
norte, pressionados pela expansão de fronteiras dos brancos. Ambos
atacaram os Suyá. Estes transferiram-se, então, para uma região poucos
quilômetros acima no rio Suyá-missu. Ao que parece, sua participação na
vida xinguana diminuiu bastante nesse período. Lutaram com os Waurá e
capturaram algumas mulheres. Recordam-se desta primeira aldeia no
Suyá-Missu como o lugar onde eles adotaram definitivamente as redes de
dormir (antes o faziam em esteiras) e como o lugar onde algumas mulheres
xinguanas capturadas ensinaram às mulheres suyá a importante cerimônia
feminina do Alto Xingu, Yamuricumã, que dá o nome ao local da aldeia
(esse ritual está relatado na página Parque Indígena do Xingu). |
Sofrendo novos ataques, os Suyá deslocaram-se mais para cima no Suyá-Missu,
perto da foz do rio Wawi, um afluente na margem esquerda. Sua nova aldeia
era grande, com duas "casas de homens", construída no modelo estritamente jê.
Ela foi atacada por um grupo juruna e seringueiros armados com rifles, sendo
completamente destruída. Os Suyá abandonaram a área. Alguns foram viver com
parentes e aliados na aldeia Kamaiurá; outros se deslocaram mais acima ainda
no Suyá-Missu para escapar de outros ataques juruna. Este período é lembrado
como de intenso contato com o Alto Xingu e como sendo bastante influente na
"xinguanização" dos Suyá. Resolveram reunir-se de novo numa nova aldeia, mas
um grupo de Suyá sofreu um outro ataque dos Kayapó setentrionais. Isto levou
a uma falta de mulheres e os Suyá atacaram os Waurá para capturar possíveis
esposas. Retiraram-se então para um labirinto de pequenos rios onde ficaram
quase que isolados de qualquer contato com outros grupos. , As aldeias onde
moraram nesses anos ficavam na mesma região que voltaram a morar no início
do século 21, depois de reconquistarem o direito a esse território.
A vida no Parque
Em 1959, os irmãos Villas Bôas mandaram um grupo juruna fazer contato
pacífico com eles. Os Suyá referem-se a esse período como aquele em que "os
brancos vieram nos procurar". Pouco depois, mudaram-se para mais perto do
Posto Indígena Diauarum, por sugestão dos Villas Bôas, a fim de receberem
melhores cuidados médicos. Foi aí, pouco depois do contato, que foram
visitados pelos etnólogos Harold Schultz (também fotógrafo) e Amadeu Lanna.
Em Diauarum eles encontraram seus antigos inimigos: os Juruna, os Trumai e
os Metuktire, assim como os recém chegados Kaiabi. Construíram uma aldeia de
estilo xinguano e muitos se casaram prontamente com os Trumai. Tais
casamentos foram muito diferentes das incorporações anteriores de cativos
porque foram os homens trumai que vieram viver com suas esposas suyá. Mais
tarde, foram também feitos casamentos com homens juruna e kaiabi. Os suyá
passaram a realizar uma série de cerimônias desses outros povos
(fotografadas por Jesco). Na década de 60, os jovens passaram a cortar o
cabelo em estilo alto-xinguano, o uso de discos auriculares e labiais foi
abandonado e as orelhas passaram a ser perfuradas também em estilo
alto-xinguano. A morte de muitos homens suyá mais velhos nos primeiros anos
que seguiram ao contato foi um fator importante nessa "xinguanização"
subseqüente, pois não haviam sobrado muitos velhos suyá e homens adultos
para assegurar a realização dos ritos de passagem jê.
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A estreita aliança entre
os Trumai e os Suyá acabou quando um Kaiabi matou um Trumai que era
casado com duas mulheres suyá. Como resultado da hostilidade, os Trumai
mudaram-se para o posto Leonardo, consideravelmente mais distante, e os
Suyá mudaram-se para uma nova aldeia mais acima no Suyá-Missu.
Continuaram a ter estreitos contatos com os Juruna e os Kaiabi, adotando
tipos de tecelagem e algumas comidas. Foram novamente solicitados para
que se mudassem para perto do Diauarum para facilitar os cuidados
médicos e construíram uma aldeia que abandonou todos os aspectos jê e
xinguano: não era circular e não tinha uma "casa dos homens". As casas
foram construídas com armação e pequenos troncos de árvores em pé no
estilo do posto indígena, tendo na aparência uma forte semelhança com as
aldeias kaiabi. |
Em 1969, em razão de um contato desastroso com os "pacificadores brancos",
41 sobreviventes Tapayuna (ou Suyá Ocidentais, também conhecidos como
Beiço-de-Pau) foram removidos de suas terras entre os rios Arinos e Sangue
para juntarem-se aos Suyá (que então deviam ser cerca de 65) no Xingu. Mais
dez membros deste grupo morreram logo depois da transferência, em razão de
doenças. Na perspectiva dos Suyá Orientais, contudo, as semelhanças
culturais de ambos os grupos mudaram consideravelmente a ênfase de sua
cultura. Os Tapayuna olhavam, falavam e agiam como os ancestrais suyá.
Conseqüentemente, os Suyá sentiram-se mais fortes, mais numerosos e com mais
vida. No espaço de um ano, uma nova aldeia foi construída no padrão jê, com
um círculo de casas em torno de uma grande praça, na qual encontrava-se uma
"casa dos homens". Cerimônias jê foram realizadas. Os Suyá e os "novos Suyá",
como eles os chamavam, contaram uns aos outros seus mitos e os comparavam;
narravam as cerimônias e descobriram em seus relatos inúmeros pontos em
comum.
Mas a atitude suyá em relação aos recém-chegados era ambígua. Ao mesmo tempo
em que eles eram autênticos suyá, eram considerados "incivilizados" por
desconhecerem os costumes e tecnologias dos outros povos do Xingu. Por
exemplo, eles não sabiam processar a mandioca no estilo xinguano, nem como
fazer ou remar canoas, e falavam de maneira considerada estranha e arcaica,
apesar de falarem a mesma língua. Por essa razão, eram tratados com
considerável humor e lhes eram ensinadas as novas tecnologias.
Em 1980, finalmente, os Tapayuna se sentiram suficientemente fortes para
construir uma aldeia própria, acima da confluência do rio Suyá-Missu com o
Xingu, na margem direita deste; ficando entre os Suyá Orientais apenas
alguns orfãos e adultos que tinham se casado com membros do grupo. Um
Tapayuna, porém, foi morto pelos Suyá e, temerosos de mais assassinatos, os
poucos Tapayuna que restaram foram morar com os Metuktire, com quem
permanecem até hoje (Cf. Lea, 1997).
Saindo da história de volta à mitologia, a adoção seletiva de traços
culturais de outros povos que pontua a história dos Suyá está fundamentada
na mitologia desse povo (e na mitologia da maioria das sociedades Jê). Assim
como no mito, traços e tecnologias indígenas e não indígenas são também
adotadas numa continua apropriação do que lhes parece "bom" e do "útil".
No caso do Alto Xingu, como dito, os Suyá aprenderam boa parte de sua
tecnologia, sem, no entanto, abandonar a própria. Logo no começo, eles
adotaram as técnicas alto-xinguanas de processamento e preparação da
mandioca (provavelmente de um grupo tupi como os Kamaiurá, já que muitas
espécies de mandioca e alguns de seus derivados têm nomes tupi). Em razão do
convívio com as mulheres waurá capturadas, as mulheres suyá aprenderam a
fazer panelas de cerâmica, assim como esteiras para o preparo da mandioca
para fazer beiju, mingau de beiju e perereba (mingau do veneno da
mandioca).Também começaram logo a usar outras técnicas de subsistência,
canoas para o transporte, traços lingüísticos, estilo de moradia,
cerimônias, ornamentação corporal e uma grande parte da cultura material
alto-xinguana. Em contrapartida, os Suyá nunca deixaram de caçar e comer
animais que os alto-xinguanos nunca comeram, a plantar milho e batata doce
para uso cerimonial e a produzir artefatos do tipo Jê para cerimônias.
Assim, a adoção de traços do Alto Xingu foi bastante extensiva, mas eles
dizem ter selecionado as coisas que lhes pareciam bonitas ou úteis,
desprezando as outras.
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