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  O Primeiro Italiano Capixaba  
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Sandra Aguiar

Livro descoberto no Arquivo Público põe em xeque a historia oficial da imigração italiana no ES: os sardos chegaram 15 anos antes dos trentinos

    Os astrônomos olham para o  imenso universo e descobrem planetas, satélites e meteoros. Na Terra, os historiadores mexem e remexem documentos velhos e desvendam fatos novos que freqüentemente mudam a historia dos homens. Rastreando pistas do tempo em papéis amarelados, os pesquisadores do Arquivo Público Estadual se depararam com um ate então ignorado livro número 132 Da Agricultura, dando conta das despesas do Governo, 1859 a 1863, que pode não alterar o rumo dos acontecimentos históricos sobre a imigração italiana, mas remete a duvida sobre a colonização no Estado e corrige erros documentais do passado.


    Embora a historia oficial registre que a primeira leva de italianos – 386 pessoas chegou ao Estado em 1874, através da Expedição Tabacchi, vinda da região do Trento, no livro descoberto constam 29 nomes de 12 famílias que deixaram a subdesenvolvida ilha da Sardenha, em contraste com a região Norte daquele país, e desembarcaram no Espírito Santo 15 anos antes. Como Jean Tomas Ribet, que trouxe a mulher e mais quatro filhos; Pierre Saleng, com o filho Jeaques, de 24 anos; Michel Pascal Bourlot (agora é Borlot); e Jean Jerome Bermond, além de Blanc, Reviglio, Terzoli, Challiol...


    A transferência da pátria amada para a pátria adotiva custou ao Governo do Estado o total de 319.021 mil réis. Cada imigrante com mais de dez anos de idade recebia 13.144 mil réis, enquanto os menores, 9.021 mil. Com a política de colonização se vislumbrava o aumento do contingente populacional, a ocupação territorial e a expansão das potencialidades produtivas capixabas.


    “Os sardos não podem ser esquecidos ou ignorados, foram os primeiros a chegar ao Estado, e no trabalho dos historiadores não há registro desses colonos, que receberam diária do Governo para ocupar a colônia de Santa Isabel, em Domingos Martins, junto com outra leva de alemães”, afirma o coordenador de apoio técnico do Arquivo Publico, Cilmar Franceschetto. Segundo ele, o fato sequer foi levantado em qualquer seminário do gênero.


    O diretor do Arquivo, Agostino Lazzaro, ressalta que a idéia não é criar polemica em torno da questão, apenas mostrar a importância de um fato cientifico, portanto, consumado. Alguns livros mais antigos, ele conta, já citaram a chegada dos sardos, mas a diferença é que agora há uma prova documental reconsiderando o papel desses homens na historia da colonização do Estado.

Primeiros Passos


    O curioso nesta historia, Lazzaro acrescenta, é que os colonos italianos, em convívio com os alemães, se deixaram influenciar pelos costumes do segundo grupo – há a hipótese, inclusive, de adesão à religião luterana – e muitos permanecem na região. Uma hipótese leva à outra, e essa talvez justifique a confusão sobre detalhes do tempo do Brasil Colônia e o suposto esquecimento dos sardos. Cilmar observa, ainda, que os sardos, devido à proximidade daquela ilha com a França, também carregam influencia francesa nos próprios nomes. Fato que pode até gerar confusão quanto à identificação da sua origem.


    Na pista dos primeiros passos dos imigrantes que fugiram das três guerras pela unificação da Itália, trabalho que começou por força de um projeto de rastreamento de todas as fontes disponíveis no Arquivo Publico, os seus dirigentes decidiram dar prioridade a essa investigação para explicar o caldeirão étnico que é o Estado. E já conseguiram colocar à disposição do público cerca de nove mil nomes italianos e de outros grupos étnicos.


    Coincidência ou não, às vésperas da comemoração dos 500 anos do Descobrimento do Brasil, o Arquivo Nacional esta propondo aos arquivos públicos estaduais a realização de um amplo levantamento de dados que permita o controle desses acervos e  possibilite sua disseminação sistematizada, através do Guia Brasileiro de Fontes para a Historia da Imigração. O objetivo maior é a recuperação da memória documental do que considera um “novo descobrimento do país”.

   

O mesmo levantamento será feito sobre alemães e espanhóis, num trabalho em paralelo ao dos italianos para ser incluído no banco de dados. As descobertas, pelo menos por conta dos italianos, envolvem: uma outra lista, mais numerosa, já foi encontrada, revelando a chegada de 305 imigrantes da comuna de Ovindoli, província de Áquila (na região de Abruzzo), no inicio de 1895. E mais outra com 52 nomes, da comuna de Ocre, também de Áquila, a bordo do vapor Agordat.

Também para a construção da ferrovia. Isso dá outra perspectiva à historia, na opinião de Cilmar, que já tratou de contatar alguns dosa nomes sardenhos e também o vice-cônsul da Itália para detalhar as informações. O Governo da Sardenha também será envolvido na discussão, que promete muita polemica, como a do plano astral. 

A luz e a escuridão


    “Agora surgiu uma luz no fim do túnel”, desabafa o representante de vendas Djalma Moraes Bermond, um dos 29 sardos que trocou a terra em conflito pela terra, digamos prometida. A luz, para ele, significa a possibilidade de obter a cidadania italiana, porque até agora não obteve êxito na empreitada. Com os documentos do Arquivo Publico, Djalma já pode comprovar sua descendência.


    Diz que a vida inteira ouviu do pai a historia de Jean Jerome e desconhecia a sua origem verdadeira, decidiu correr atrás do atestado de óbito do bisavó e dar entrada ao pedido de cidadania. “A lei nos dá esse direito”.

O pai, segundo Djalma, contava que Jean Jerome tinha vindo para o Estado sozinho e aqui se casou com uma índia. Da união, nasceram 22 filhos, quatro deles morreram ainda crianças.


    Por outros motivos, o vice-cônsul da Itália, Deottillio Destefani, também comemora. “Agora ficamos bem à frente da imigração de outros Estados”, diz, embora ressalte que a descoberta da vinda dos sardos 15 anos antes dos trentinos é importante como fato histórico, mas “não muda nada”, considerando inexpressivo o numero de famílias dessa primeira leva de imigrantes.


    A historiadora Gilda Rocha, que há dez anos defendeu tese de mestrado sobre a imigração pela Universidade Federal Fluminense – trabalho utilizado como referencia ate hoje – assegura que não houve omissão do fato pelos pesquisadores, mas diz simplesmente que isso não tem sido revelado. “Há um lado de exaltação aos imigrantes, porque veio tanta gente para cá, mas os trabalhos não se detêm a fulano ou beltrano”.

      Para ela, como os documentos ficam muito dispersos pelo pais afora, esse tipo de pesquisa não tem fim e a cada momento se descobre algo importante sobre a historia dos imigrantes. Se apenas for constatado o registro de 12 famílias da Sardenha, a situação não muda, porque a preocupação é trabalhar com estatística, e essa quantidade não é representativa no quadro geral. Importante, na sua opinião, é saber agora o papel que essas famílias desempenharam.

     “O momento é de levantar novas questões. Será que não existem outros documentos?” Questiona. Afinal, pesquisa histórica é sempre uma caixa de surpresas.

Fonte: A Gazeta / 29-01-1996



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