Processos predatórios na floresta tropical úmida da Amazônia Brasileira.
Philip Fearnside
O Instituto de Estudos Avançados da
USP me convidou para falar sobre destruição ambiental na Amazônia
brasileira. Trata-se, evidentemente, de um tema muito amplo, que inclui
desmatamentos. E, também, a problemática das hidroelétricas, mineração e
muitas outras modalidades de destruição.
Não pretendo
e, certamente, não vou conseguir falar sobre
todos os tipos de destruição que temos na
Amazônia. E, nem tampouco sobre outras questões
que o prof. Aziz mencionou ao me apresentar,
tais como a capacidade de suporte e outros
temas. Quero centrar minhas observações nos
problemas de desmatamento da região: os impactos
ambientais disso decorrentes; e algumas das
causas dos processos que ali atuam.
E, ainda sobre
que poderia ser feito para atenuar ou estancar
os processos predatórios. Abordarei,
obrigatoriamente, as sérias questões envolvidas
na construção das hidroelétricas. Em qualquer
oportunidade, quando eu me refiro a assuntos
ligados a desmatamentos, lembro que o grosso da
Amazônia ainda tem o aspecto de uma imensa área
florestada. Mesmo que a palestra seja sobre
desmatamento, é sempre importante manter na
mente que ainda existe muita floresta contínua,
com mínima participação humana.
Alguns
diapositivos, que apresento, nos dão uma certa
esperança de ter um quadro melhor; de poder
conter ou reverter o quadro de destruição que
vem ocorrendo, hoje, na Amazônia, mas, também, é
importante lembrar que esse raciocínio tem muito
de enganador. Ele pode conduzir muitas pessoas
desavisadas a pensar que o desmatamento
realmente não seja um problema tão grave assim.
E, que sendo a Amazônia muito grande, onde ainda
existem muitas florestas, seria praticamente
impossível cortar toda a floresta.
Infelizmente,
esse não é o caso. A legislação que controla os
desmatamentos é falha, existe muita
permissividade para a continuação dos processos
predatórios, e grandes interesses envolvidos na
continuação do desmatamento; até que se chegue à
última árvore. É a mesma coisa que aconteceu
aqui no Brasil Centro-Sul, há 70 ou 80 anos
passados. No Paraná, por exemplo no início do
século o pessoal falava exatamente a mesma
coisa: que a floresta era tão grande, que nunca
ia se conseguir desmatar tudo.
Entretanto,
após algumas décadas, não existiam mais
florestas por lá. O paralelismo é perfeito: o
mesmo poderá acontecer na Amazônia, e, talvez
com mais rapidez, se não forem tomadas medidas
efetivas e de aplicação imediata. Quero lhes
mostrar alguns dados sobre a marcha do
desmatamento (dados já um pouco defasados)
mostrando a ampliação das derrubadas, nos
últimos anos, dentro de cada um dos estados e
territórios, na Amazônia. Como se pode deduzir
em Mato Grosso, Rondônia e Acre estão ocorrendo
explosões de desmatamento, de forma exponencial
do tipo da inflação no Brasil que se desdobra a
cada ano.
É esse o tipo
de tragédia-surpresa que o desmatamento pode nos
oferecer. Um tanto igual ao que as pessoas
sentem quando vão para o supermercado e
verificam o quanto aumentaram os preços, ou a
idéia de que, com o quê, há dez anos atrás se
adquirira uma casa, hoje se compra uma garrafa
de Coca-Cola. Coisas assim: surpresas
sucessivas, mesmo convivendo-se com a tendência
exponencial. Esse mesmo tipo de surpresa é o que
se espera, se o desmatamento conservar esse
ritmo no conjunto da região amazônica.
Veja
foto via satélite do desmatamento feito por queimadas
Mato Grosso, Rondônia e
Acre são os estados na porção meridional da Amazônia que estão recebendo
o grosso dos emigrantes, provenientes do Paraná, e outras áreas da
metade sul do Brasil, ocorrendo uma transformação da agricultura, e uma
sentida diminuição de espaços para novos agricultores. O café e outras
culturas, que exigem muita mão-de-obra, estão sendo substituídos por
cultura de soja mecanizada; por trigo, e outras culturas, que não exigem
muita mão-de-obra. Avalia-se que são onze pessoas expulsas para cada uma
que consegue emprego na agricultura da soja. Então, essas pessoas, ou
vão para as favelas das grandes cidades como São Paulo ou vão para a
Amazônia. É essa a situação que tem que ser revertida.
Temos dados sobre
Rondônia, mais recentes do que aqueles, que
indicam a continuação dessa tendência
exponencial. A partir de 1985, houve um pequeno
achatamento do aumento da área desmatada em
Rondônia. Temos um dado de 1987: a partir da
imagem de satélite utilizada e interpretada por
João Pomalingrow, na Itália, houve uma avaliação
de que 15,1% da Rondônia estava desmatada, até o
ano de 1987. Se fosse feita uma projeção
conservadora, usando os últimos dois anos de
dados de satélite, seriam 17,1% de desmatado em
Rondônia, até hoje.
E, fazendo esse
tipo de projeção conservadora, dentro de cada um
dos estados e territórios da Amazônia, referente
aos últimos dois anos de dados, a área
desmatada, até agora, seria por volta de 400 mil
km2. Isso significa um espaço 8% da
região amazônica; quase duas vezes a área do
estado de São Paulo. E, no caso, a taxa de
aumento seria 35 mil km2 ao ano; o
que é uma taxa de aumento incrível.
É muito maior do
que a Bélgica, por exemplo, que possui somente
25 mil km2. Só para dar uma idéia: é
o equivalente a desmatar um campo de futebol a
cada cinco segundos, para se atingir a soma
disso durante todo um ano. Trata-se,
efetivamente, de uma taxa muito alta, que está
aumentando a cada ano e, se continuar assim, em
poucos anos ou dezenas de anos a floresta
amazônica se extinguirá. Nessa altura, penso que
é importante esclarecer os informes que vêm
sendo noticiados, sobre uma divergência entre
esses dados e os dados do estudo do INPE sobre
queimadas, no decorrer do ano passado (1987).
A reportagem que
saiu na revista Veja (nº 1055, de
23/11/1988), dá a manchete que é "Guerra do
Fogo", como se fosse uma guerra entre mim e o
Alberto Setzer do INPE, que está presente neste
auditório. E eu acho muito importante esclarecer
que não existe nenhuma guerra entre os
pesquisadores.
Nós estamos
colaborando, tentando melhor entender o
desmatamento na região. Existe divergência nos
dados, e isso é uma coisa estritamente técnica;
não é, em absoluto, uma questão de guerra entre
os pesquisadores. Pretendo explicar o que há de
diferente em termos das estimativas. A tabela do
Relatório do INPE indica que a Amazônia legal,
como um todo, teve 200 mil km, ou 20 milhões de
hectares queimados, em 1987. Agora, dentro da
área considerada de florestas altas, a
estimativa era de 80 mil km2, ou
seja, 8 milhões de hectares.
Existem várias razões
para se afiançar que a área desmatada realmente não é tão grande. Como
eu me referi, 35 mil km2 são muito menos do que esses
valores. Existem várias diferenças. Em primeiro lugar, esta é uma
estimativa de queimadas, não de desmatamentos.
É importante que
se estabeleça que queimada e desmatamento são
coisas diferentes; porque se queimam, também,
pastagens, queima-se o cerrado, sobretudo na
periferia da Amazônia. Queimam-se capoeiras.
Além, evidentemente, de queimada e de derrubadas
verdadeiramente novas. Então, uma grande parte
do que se considerou atingido não é queimada de
floresta recentemente derrubada.
Isso nos autoriza
a dizer que pode diminuir a avaliação dos 200
mil para 80 mil da área total de florestas
derrubadas. Existem, ainda, outros detalhes
sobre os aludidos dados. Um fato a referir é que
os estados de Goiás e Maranhão estão incluídos;
mesmo sabendo-se que grande parte de Goiás,
especialmente, está fora da Amazônia. Trata-se
predominantemente de áreas ocupadas, em que
grande parte dos cerrados é queimada anualmente.
A não-consideração desse fato, por certo,
aumentou a estimativa do INPE.
Por outro lado, se
observa que Roraima e Amapá não entram na
estimativa; porque as imagens só chegavam até o
Equador. Isso pode compensar, de um lado, a
estimativa exagerada feita para Mato Grosso,
Rondônia, Acre, Goiás e Maranhão. No entanto,
convém lembrar que as queimadas são bem maiores
nessa parte da periferia sul da região do que na
parte que ficou fora da imagem.
Existe um outro
problema em termos de interpretação que é o critério de como se pode
medir uma área que ainda está sob a ação do fogo. No caso de Rondônia,
para a qual temos dados do mesmo ano e do mesmo satélite, incluindo
registro de desmatamentos. Em 1987, em Rondônia, registrou-se 18,7% do
espaço total sob a ação do fogo.
Enquanto a imagem
de João Pomalingrow indicou 15,1% desmatada, até
o referido ano de 1987. Agora, se 18,7% estava
pegando fogo, isso significaria dizer que
seria 40% ou mais efetivamente desmatados. O
nosso raciocínio parte do princípio de que não
daria para queimar toda a área, todos os anos.
Cada hectare só é
queimado a cada dois ou três anos. Se uma pessoa
possui pastagens, ela tem que reservar algum
lugar para colocar o seu gado, enquanto está
queimando parte de sua propriedade. Daí, porque
somente se queima, cada lugar, alternadamente,
de dois a três anos. Nesse caso, a diferença é
muito grande entre um desmatamento nesse nível e
os aludidos 15,1%. A razão dessa avaliação
distorcida é encontrada em certas
características e atributos do próprio
sensoriamente.
É o problema de
saturação do sensor que está em jogo: um fato
que requer uma nova opção técnica. No caso da
imagem de Rondônia, o desmatamento é reconhecido
pela cor branca. Tudo que está em branco, dentro
dessa linha vermelha, na imagem de 1987, foi
incorporado como espaço total desmatado (os já
aludidos 15,1%). Esta é a Rodovia 364, que foi
asfaltada pelo Projeto PMACI. Vêem-se bem as
linhas de acesso para os lotes dos colonos. Cada
pontinho branco na imagem representa uma quadra,
de 1,1 km de lado.
E o problema é
que, quando o fogo ainda está atuando, fica
registrada a temperatura do fogo alto. Esse fato
pode disparar o sensor, para saturá-lo.
Registra-se na imagem todo aquele pequeno espaço
com pontinhos brancos, quando, na realidade,
somente uma parte está sob a atuação do fogo. E
a somatória de tais efeitos aumenta o dado
registrado, como sendo de queimadas. Então,
nosso principal problema técnico reside em
conseguir fazer a coloração para esse tipo de
fato. Um assunto pioneiro, que ainda está sendo
desenvolvido no INPE.
Não é possível
registrar dados de muitos desmatamentos
simultâneos, mal dimensionáveis nas imagens. Há
motivo para se pensar que os desmatamentos estão
aumentando rapidamente. Não se trata apenas de
um problema tecnológico: o desmatamento é um
problema real, mesmo que existam diferenças nos
dados obtidos com diferentes metodologias. Na
imagem considerada, ocorre, ainda, um fato
importante: é a penetração do desmatamento ao
longo da Rodovia BR-3429, no Vale do Rio
Guaporé, uma área que consideramos totalmente
infértil para agricultura.
Em Rondônia, o desmatamento está
aumentando rapidamente, fato que redunda numa perda muito grande. Está
havendo perda de toda a floresta, com todas as espécies nela contidas.
Mais do que isso, está se perdendo a oportunidade de se usar a floresta
como recurso renovável. Para não aludir a outras graves conseqüências
ambientais. Um dos problemas é a sustentação e a permanência da
agricultura nesses lugares, depois do processo de desmatamento.
Um dos
impedimentos para isso é a erosão do solo,
depois do desmate. É o que estamos estudando com
uma calha adequada, dotada de uma tampa que se
fecha, incluindo uma lâmina que fica inserida no
solo e uma tubulação que sai por baixo. Esse
aparelho simples é montado no solo, de modo
enterrado, com a tubulação em subsuperfície.
Colocada em um ponto da vertente, ela coleta
toda a água das enxurradas. Uma calha instalada
em área recentemente derrubada com uma cerca de
10 m x l m coleta a água que tomba dentro dela,
a qual corre pela tubulação, ou então se evapora
e volta para a atmosfera.
Os lençóis
coletados pela calha descem para uma série de
tambores, onde se deposita toda a água e os
sedimentos nela contidos. Temos estudos sobre
erosão dos solos em áreas diversas da Amazônia:
uma calha montada nos arredores de Manaus, outra
na Transamazônica (Pará), outra, ainda, em
Rondônia e, mais recentemente, uma em Roraima.
Possuímos dados de três anos em Manaus. Ficou
demonstrado que ocorre muito mais erosão do solo
nesses dois tipos de pastagens, do que nas áreas
florestadas.
Tem, mais
ainda: no solo nu, como já se previa, a erosão é
muito mais forte. O importante é saber que a
pastagem também tem bastante erosão. Nos dois
anos seguintes de observação nas calhas, houve
valores menores, porém ainda muito acima dos
valores obtidos nas áreas de matas, quando
cotejadas com as pastagens. Fato que é
frontalmente contra a presunção de todo o
planejamento de desenvolvimento da Amazônia,
baseado em algumas premissas do Projeto RADAM
BRASIL.
No volume 16, do Projeto RADAM que se
refere a Rondônia encontra-se uma classificação dos solos regionais,
segundo a classificação que norteia o próprio Projeto. No sistema de
classificação proposto, considera-se que os terrenos regionais, com
forte susceptibilidade à erosão, não têm condições para o emprego
daquele maquinário agrícola, comum à agricultura do País. Em outras
palavras, está escrito que os terrenos são acidentados demais para uso
do trator.
Deduz-se, daí,
que esses terrenos seriam próprios para
pastagens cultivadas ou melhoradas, já que o seu
uso, com agricultura, em qualquer sistema de
manejo, as degradaria. O que equivale dizer que,
sob pastagens, elas ficariam degradadas. As
pastagens seriam, então, apropriadas para
lugares susceptíveis à erosão. Infelizmente,
parece que a presunção desse critério de
classificação é questionável. É muito importante
que, no novo zoneamento agroecológico a ser
feito de acordo com a Constituição, não sejam
adotados critérios como esse, o qual conduziria
à ampliação de pastagens, as quais ficariam mal
sustentadas.
O que acontece é o seguinte: ocorre
uma diminuição da quantidade de fósforo disponível no solo. Com a
queimada da floresta, no primeiro momento, há um certo aumento desse
teor. No entanto, ao longo de uma década, a quantidade de fósforo
disponível diminui sensivelmente. Esses são antigos dados da EMBRAPA do
início da década de 70 justamente quando a EMBRAPA estava sustentando a
tese de que a pastagem melhorava o solo na Amazônia.
Centrada nessa
idéia, subsidiava-se a formação de pastagens. Em
outras palavras, removiam-se florestas para
colocar pastagem. Note-se, porém, que os
próprios dados da época mostravam que o solo
degradava em termos de fósforo, o que conduziria
à queda da produção do capim.
É muito importante avaliar
corretamente se são viáveis ou não as propostas atuais de sustentar
grandes áreas de pastagens na base de adubação, por acréscimos de
produtos fosfatados nos solos preparados para pastos. Um mapa organizado
pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) mostra a
distribuição das jazidas de fosfatos, no Brasil. E, como se vê, é um
mapa do Brasil muito estranho, porque está faltando a metade do País.
Isso ocorre
porque, basicamente, não existem fosfatos na
Amazônia. Os fosfatos do Brasil estão
localizados na área de Minas Gerais e
vizinhanças, portanto, muito longe da Amazônia.
Depois da publicação desse mapa, foi descoberta
mais uma jazida, em Maecuru, no Pará, a qual
está ainda sendo medida. Mas, basicamente,
continua a verdade de que não existem grandes
jazidas de fosfatos na Amazônia.
Aliás, todo o
Brasil não é muito bem dotado de fosfatos. O
Relatório do DNPM indica, por exemplo, que os
Estados Unidos têm 20 vezes mais jazidas de
fosfatos do que o Brasil. Torna-se importante
que esse fosfato seja usado para as coisas que
vão ter maior produção. E, é certo, que a melhor
escolha seja a de não se tentar sustentar,
durante anos seguidos, grandes áreas de
pastagens na Amazônia. E, inclusive, é
necessário encarar todo o custo do transporte
desse fosfato para longínquos setores da
Amazônia. A melhor opção nos parece outra. A
garantia da funcionalidade dos ecossistemas
naturais redunda em uma adubação constante.
Não há melhor
opção do que aquela que implique na manutenção
de grandes áreas da própria cobertura da
floresta. A produção de capim, por todas essas
razões esgotamento do fósforo, erosão,
compactação do solo, entre outras vai caindo.
Nós estamos realizando mensurações sobre essa
questão em diferentes áreas da Transamazônica e
de Rondônia. Para tanto, usamos amostragens e
fazemos medidas, dentro de uma metodologia e de
técnicas rigorosamente científicas.
Nossos primeiros
resultados indicam que, na Rondônia, uma pastagem com 3 anos produz o
dobro do capim do que uma pastagem com 12 anos. Isso significa dizer por
todas essas razões somadas que há uma flagrante diminuição de pastagens.
E que o processo redunda em uma perda do seu caráter auto-sustentado.
Torna-se evidente que o benefício de se cortar a floresta para uma
atividade temporária é muito pequeno; além de implicar em grandes
custos, com retorno relativo, a médio prazo.
Um outro fato que
estamos estudando é a contribuição de
desmatamento para o efeito estufa, na Amazônia.
Para isso, contamos com os informes das
conseqüências das queimadas na região de Manaus.
Estudamos, também, em Altamira, na
Transamazônica. Foram levantadas informações
disponíveis sobre outras áreas, em termos de
quantidade de biomassa da floresta.
A área estudada,
próxima a Manaus, demonstra que, depois da
queimada, resta muita madeira no chão. Medimos
quanta matéria foi transformada em carvão,
cinzas, entre outros subprodutos. Convém
lembrar, porém, que essa madeira também
desaparece, no decorrer de uma década. Ou
permanece queimada, na requeima das pastagens;
ou, então, apodrece e, da mesma forma, acaba
sendo lançada no ar, em forma de CO2
e Metano e outros gases: conjunto esse que
contribuirá para o efeito estufa. Também uma
parte do Carbono, no solo, sofre o mesmo
destino.
Nós medimos a quantidade de biomassa,
antes e depois das queimadas, e fizemos outras estimativas, tendo por
base o volume de madeira.
Calcula-se que, para a Amazônia legal,
considerando todos os tipos de vegetação, se todo o espaço florestado
fosse transformado em pastagens, a quantidade de Carbono que seria
lançada na atmosfera somaria mais ou menos 50 bilhões de toneladas. Se a
Amazônia fosse totalmente desmatada ao longo de 50 anos (avaliação
não-fantasiosa, caso continue a progressão atual do desmate), isso
corresponderia a lançar l bilhão de toneladas de Carbono por ano.
E, já que são
5 ou 6 bilhões de toneladas, anualmente, jogadas
pela queima de carvão e petróleo em todo o
mundo, somente o desmatamento da Amazônia
representaria, potencialmente, aproximadamente,
20% do volume global, não contando o restante do
desmatamento no mundo. Penso que se
considerarmos todos os fatores de liberação de
Carbono no mundo, a Amazônia é, potencialmente,
um grande contribuinte em termos da taxa atual
de desmatamento. De modo algum, atinge,
atualmente, o nível de 20% do total.
Sua
contribuição pode ser avaliada em 5 a 6%; e não
20%. Ainda assim, porém, trata-se de uma grande
contribuição no efeito estufa. Também há que se
lembrar que as queimadas de matas são diferentes
das queimadas dos combustíveis fósseis, que
lançam mais Metano em relação ao Gás carbônico.
E o Carbono possui um impacto maior sobre o
efeito estufa. Nesse caso, o impacto é ainda
maior do que as toneladas de Carbono possam
indicar em relação ao desmatamento.
O outro grande impacto
do desmatamento é o que atinge o ciclo hidrológico e o regime das chuvas
na Amazônia e regiões vizinhas, podendo afetar áreas distantes,
inclusive São Paulo. Em nossas quadras de medida de erosão, em Rondônia
em pastagens utilizamos 4 tambores só para apanhar a água que escorre
num pequeno espaço de 10 m2. Adota-se essa área tão reduzida
para não transbordar os tambores. Toda a água que cai acaba se
projetando no escoamento superficial, entrando nos igarapés; não entra
no solo para se tornar disponível para as raízes das árvores, que a
sugaria e a devolveria novamente para o ar.
Um tambor é
suficiente para fazer a tomada de toda a água
que sai da quadra; e, muitas vezes, só há um
balde suspenso, dentro do tambor. A diferença é
marcante na quantidade de água que sai pela
superfície. O primeiro ano de dados obtidos em
Manaus indicou que a quantidade de escoamento na
pastagem é da ordem de 10 vezes mais do que na
floresta. Então, é uma ordem de grandeza muito
diferenciada.
E, quando se pensa
na escala da Amazônia, isso implica em impactos até globais. Temos
que nos lembrar que a Amazônia brasileira comporta uma área de 5
milhões de km2, sendo que, na somatória de todos os
espaços, envolve muita água, que acaba reciclada pela floresta.
Possuímos medidas
pontuais mais grosseiras, representadas pela
simples comparação entre a vazão do rio Amazonas
e a quantidade de chuva que cai, medida pelos
pluviómetros que se mantêm nos aeroportos
espalhados pela região. É mais facilmente medido
em Óbidos, parte mais estreita do rio Amazonas,
que não envolve toda a Bacia, mas uma boa parte
dela. E, comparando a água que escoa por ano,
pelo rio, com a que tomba como chuva, é quase
exatamente o dobro.
Em outras
palavras, o volume d'água que cai como chuva,
comparado com aquilo que saiu pelo rio, indica
que a outra metade voltou para o ar, em vez de
sair pelo rio. E, quando se utiliza a
informação de que existe uma ordem de 10 vezes a
quantidade de água que sai dessas áreas
desmatadas, pode-se avaliar a imensidão de água
que está em jogo. É muito importante lembrar a
escala desse fato, em termos do rio Amazonas.
Esse grande rio, na altura do encontro das
águas, perto de Manaus, o Amazonas já é um rio
imenso. As medidas feitas através de todo o rio
mostram seu enorme volume d'água.
Mas é a mesma
quantidade de água que se vê no rio Amazonas que
está voltando para o ar, através das folhas,
sendo que 50% ninguém vê. E uma coisa muito
fácil para qualquer pessoa verificar; basta
colocar um saco plástico em volta de um galho
com algumas folhas e, dentro de poucos minutos,
estará tudo suado por dentro, com gotinhas
d'água. Aquilo é água saindo das folhas que,
somada com bilhões de águas similares na
Amazônia, representam o rio Amazonas.
Então, essa água é
muito importante para manter o ciclo hidrológico
na região. A água é transportada em forma de
nuvem: uma parte vem do Oceano Atlântico, e,
outra, é proveniente do bombeamento pelas
árvores. E, medidas das razões de radioisós
nessa água, feitas pelo grupo do Salatti,
indicam que 50% ficam reciclados pela floresta
na região entre Belém e Manaus.
Essas medidas
indicaram, também, que existe uma diferença em
relação ao distanciamento do mar: a participação
da floresta é maior em Manaus do que em Belém; a
média é que atinge 50%. Então, logicamente,
afastando-se mais do mar, a floresta torna-se
mais importante como reservatório d'água. E,
chegando ao Acre ou Rondônia que é justamente o
lugar onde tem o maior surto atual de
desmatamento a importância da floresta seria
muito maior do que 50%. É fácil deduzir que
essas áreas iriam sofrer maior impacto de
desmatamento sobre o clima. Esse fato é
confirmado por vários outros estudos, inclusive
o transporte da água para outras regiões.
Registro, aqui, dados publicados, de simulação
por computador, da circulação global (clima
global) feita pelo Instituto Goder de
Estudos Espaciais, em Nova York.
Essa pesquisa
indicou que a massa de umidade que começa na
Amazônia projeta-se depois, como chuva, em toda
uma imensa região do Planalto Brasileiro. Então,
atinge, por exemplo, São Paulo, a parte mais
produtiva em termos agrícolas do Brasil de hoje.
Outros dados também confirmam isso. Na
observação do movimento das nuvens, por
satélites meteorológicos aquelas fotografias que
saem no jornal todo dia pode-se ver o movimento
das nuvens.
Observa-se a
seqüência em que cada massa de nuvens formadas
sobre a Amazônia muda de trajeto em certas
altitudes, sendo transportada para a região de
São Paulo e Paraná, as partes mais produtivas do
Brasil. Esse é um exemplo de como o desmatamento
da Amazônia pode afetar a agricultura no resto
do País.
Outro fato muito importante sobre a
ciclagem hidrológica, talvez mais importante do que o dado grosseiro de
50% de chuva, é a diferença entre a época seca e a época chuvosa. Os
dados disponíveis, sobre o vapor d'água, indicam que a floresta é mais
importante durante a época seca. É muito mais fácil entender porque isso
ocorre. Na época seca, as pastagens ficam em degenerescência periódica.
As folhas do
capim morrem, e elas não têm capacidade de
transportar a água e, portanto, de devolver a
água para o ar; enquanto, nas áreas florestadas,
a vegetação permanece verde durante o ano
inteiro, o que significa que ela continua
bombeando água também na época da seca. Isso
implica em prever a possibilidade do aumento do
perigo de ter supersecas, de quando em vez, na
Amazônia.
Existem dados de 31
anos, para Altamira, na Transamazônica, que indicam a chuva mensal, a
média mensal, e um desvio-padrão. Esses dados indicam a existência de
uma tremenda variação, de um ano para outro, na quantidade de chuva que
cai. E, nas épocas de estiagem, é muito fácil de se observar o
prolongamento de um período seco, o qual, via de regra, é de um mês a
mais, um mês a menos; mesmo sem desmatamento.
Os desmatamentos,
em grande escala, aumentam essa variabilidade,
ocorrendo mínimo de chuva de estiagem,
aumentando muito o perigo de ocorrer secas muito
mais longas do que as atuais: um prejuízo
potencial não só para a agricultura, como também
para a sobrevivência da própria floresta. Temos
já os primeiros resultados de um estudo que está
sendo feito ao norte de Manaus - nas fazendas,
no distrito agropecuário da SUFRAMA no projeto
WWF e INPA, numa área onde ocorrem ilhas de
matas deixadas no meio das pastagens. Existem,
aí, mais de 80 mil árvores, todas com
etiquetinhas de alumínio; o conjunto sendo
mapeado e seguido, para se ver quando cada
árvore morre, como é que morre, entre muitas
outras observações.
Já se observou
que, nas matas, as árvores situadas em beiradas
das reservas morrem muito mais rapidamente do
que aquelas que estão mais interiorizadas. Esse
seria um efeito do ressecamento do stress
hidráulico � que essas árvores estão sofrendo.
Aconteceria o seguinte: com a abertura da copa
da floresta, com a morte das árvores, isso
acarreta, a nível regional, uma diminuição da
chuva, fato que implica ainda em mais
ressecamento na floresta, mais mortalidade de
árvores e, logo, mais aberturas no dossel das
florestas.
Também, a nível
local, expõe a floresta para a entrada direta do
sol e do vento, ressecando mais o conjunto. E,
aí, ocorrem dois círculos viciosos de
degenerescencia florestal. Trata-se de um
fenecimento diferencial. Nas reservas do WWF,
onde árvores, na beirada, muitas vezes, morrem
em pé. Esse fato indica que não são puxadas por
cipós ou outras coisas para provocar a morte.
Seria mais
provável por causa do ressecamento do microclima
nesses lugares, uma coisa facilmente
perceptível, para quem caminha da derrubada para
dentro da floresta. Existe um perigo nesse tipo
de disclímax, que é o desvio da sucessão
ecológica: no caso, ao invés do retorno para
algum tipo de floresta com árvores, de se
caminhar para tipos de gramíneas. Numa pastagem
degradada no Acre, em solos muito degradados, ao
invés de retornarem embaúbas, numa vegetação
secundária, entraram espécies de andrópolos,
chamadas de rabo-de-cavalo, que se alastram
especialmente em solos degradados. Trata-se de
um tipo de ocorrência muito mais comum na Ásia
do que na América do Sul.
No caso, ao invés
do retorno da floresta, sucedem-se gramíneas
invasoras: um fato que deve estar relacionado ao
ressecamento do clima, e que aumenta muito o
impacto do desmatamento, tanto sobre o ciclo das
chuvas como também sobre o efeito estufa.
E, esses desmata mentes, que vêm aumentando por
diversas razões, fazem fenecer a biomassa,
favorecendo o ingresso de plantas daninhas.
Identificando essas distorções, podem se fazer propostas para reverter a
situação e ver como é que poderiam ser controladas. Um dos fatores é o
incentivo oficial dado às fazendas de pecuária, na região amazônica. No
distrito agropecuário de Manaus, onde existem incentivos especiais para
derrubar e plantar pastagens, ocorreu um fato importante para o
controle: foi suspensa por 90 dias a concessão de novos incentivos, com
o pacote chamado Nossa Natureza. Acho necessário fazer de uma vez
o corte desses absurdos incentivos.
E dar um fim aos incentivos antigos, que
favorecem a implantação de centenas de fazendas,
com projetos aprovados, que continuam recebendo
o dinheiro de incentivos. No mínimo, haveria que
se rever esses projetos, redirecionando-se para
reflorestamento ou outra atividade que não seja
desmatamento. Também, existem outros tipos de
incentivos, como aqueles para ferro gusa, em
Carajás. E, para serrarias, às quais não entram
na suspensão de incentivos do programa Nossa
Natureza.
O Programa Grande
Carajás, que envolve 900 mil km2, é uma área com muitos tipos
de incentivos especiais. E, o problema mais grave do chamado PPC é o
problema da fabricação de ferro gusa, a partir do uso de carvão de
madeira.
A primeira usina de
ferro gusa em Açailândia, no Maranhão, começou no dia 8 de janeiro de
1988. Nenhuma das usinas de ferro gusa tiveram obrigatoriedade de um
relatório de impacto do meio ambiente, fato obrigatório desde janeiro de
1986. Então, é muito importante que todo o tipo de projeto seja
estudado, em termos do seu impacto ambiental, fato que, no caso o
fabrico de ferro gusa a carvão vegetal deve ser muito grande. Registro o
fato que se iniciou em março deste ano (1988), a produção de ferro gusa
na área de Marabá.
Fotos
que mostram os lingotes do ferro gusa sendo
obtidos pelo uso de carvão vegetal, provenientes
das árvores da floresta. O carvão fabricado em
fornos de modelo comum é feito em centenas de
fazendas existentes no entorno do Distrito
Industrial de Marabá. Nestas circunstâncias,
torna-se muito difícil o controle do
desmatamento por parte do Governo. E, como se vê
nas fotos, o carvão é fabricado com madeira
roliça da floresta; não se trata de restos de
serraria, conforme declarações das indústrias de
ferro gusa.
Por outro lado,
pode-se adiantar que o crescimento do uso de
carvão será constante. E esse carvão somará uma
grande quantidade; mesmo porque a quantidade de
ferro em Carajás é de 18 bilhões de toneladas.
Trata-se de uma quantidade infinita em relação à
capacidade da floresta Amazônica em suprir
indústrias siderúrgicas com carvão de madeira.
Somente com as 2,8 milhões de toneladas de ferro
gusa, atualmente aprovadas, seriam necessários
1.000 km2 ao ano, ou seja, 100 mil
hectares de terras florestadas para suprir os
fornos de carvão vegetal. Sem falar que existem
outros projetos de ferro-liga, cimento e sílica,
na área, os quais também pressupõem o uso desse
tipo de carvão.
O zoneamento da
SUDAM, em relação à área, para produção de
carvão vegetal para suprir o Programa de Carajás
envolve o destino de uma área imensa. Prevê-se a
utilização de um espaço equivalente a 900 mil km2.
É uma área gigantesca, basicamente toda ela
acessível por transportes e que permanecerá
zoneada para esse fim. Então, o alcance da
depredação será muito grande. Trata-se de um
processo que irá, potencialmente, abocanhando a
floresta, ao longo do tempo, devido à natureza
do programa industrial implantado, que é
praticamente permanente para a região.
Outro fato que está ocasionando
mudanças rápidas no quadro do desmatamento regional é o aumento do
número de serrarias. Até há pouco tempo, esse era um fator
insignificante no desmatamento da Amazônia. Desde 1983, entretanto, mais
ou menos, o preço da madeira nos mercados internacionais vem subindo
rapidamente, sobretudo em função de estarem acabando as últimas
florestas no sudeste da Ásia. Essas florestas da Asia ainda estão
produzindo mas, quando realmente se findarem, haverá um extraordinário
surto de desmatamento na Amazônia. Processo que, de resto, já se iniciou
pela montagem de milhares e milhares de serrarias, a cada ano, na
região. Trata-se de um novo impacto na devastação das selvas amazônicas.
Antigamente, a madeira era explorada
só na base artesanal. Atualmente, o processo é bem mais mecanizado, com
o uso de moto-serras. O grosso dos procedimentos é ainda rotineiro,
envolvendo o corte de tora por tora. Mesmo assim, a floresta resta em
uma situação muito mais frágil, após o desmate. Em Rondônia, como
pudemos observar, o sub-bosque fica completamente destruído. Muitas
árvores, além daquelas de madeira nobre já removidas, ficam seriamente
danificadas.
Com isso tudo,
as florestas ficam muito mais susceptíveis à
entrada de fogo. Identicamente, as queimadas
anuais de pastagens acabam por atingir grandes
trechos de florestas. Trata-se de um ponderável
fator complementar para acabar com os restos de
florestas que não são desmatadas de vez. Essa
combinação de processos predatórios já
aconteceu, em Bornéu, em 1983, onde se queimou 3
milhões de hectares de florestas, ainda em pé.
Normalmente, na Amazônia, tem que se derrubar a floresta, esperar sua
secagem, para depois poder queimar. Entretanto, com as mudanças
esperadas no regime de chuvas, através da generalização do desmatamento,
é muito provável que nos próximos anos talvez cada 20 ou 50 anos por
ocasião de estiagens mais fortes, o fogo se ampliará dentro da floresta,
num processo catastrófico similar ao que acontece na América do Norte,
na Europa e outros países, onde não é necessário desmatar para depois
queimar a floresta.
Nesse caso, o processo se acelerará, afetando
muito mais áreas florestadas do que se possa
imaginar. Atualmente, estamos relativamente
protegidos, pelo fato de que só algumas espécies
estão sendo exploradas pela indústria
madeireira; por exemplo: o mogno, em Rondônia. O
grosso da lista de espécies da floresta não
está sendo atingido. Mas isso, também, é uma
coisa que facilmente pode mudar. Como, por
exemplo, o caso da exportação de toras para a
China, que não pressupõe qualquer seleção de
espécies.
Observa-se o fato, tanto em portos fluviais do
Amazonas quanto no rio Madeira, sobretudo na
Rondônia. Na Rondônia carrega-se cada 15 dias um
navio com toras heterogêneas; e se leva todas as
espécies. Essa é uma exceção aberta para
exportar madeira em toras, das usinas
hidroelétricas: no caso, a usina de Samuel.
O problema é que, na China, basicamente, não
existe madeira. Daí o fluxo, em progressão de
toras, indo para serrarias da China. Não dá para
imaginar o que acontece nas serrarias da China.
Tenho uma foto em que estão serrando madeiras de
péssima qualidade: toras tortuosas cheias de
nós, para fazer tábuas. Material que, aqui,
seria jogado no lixo, no ato; ou, então, seria
encaminhado para o fabrico do carvão, ou coisa
parecida.
A abertura do comércio de toras é um problema
que, potencialmente, poderia ter muito mais
impacto na exploração madeireira da Amazônia, na
medida em que aumentaria o número de espécies
atraentes para exploração. Inclusive, um dos
problemas, atualmente, pouco visível na
Amazônia, mas muito comum na Ásia, é a
trituração da floresta para fazer cavacos.
Para o desmatamento da área de inundação da
hidroelétrica Balbina, perto de Manaus, foi
feita uma primeira experiência nessa direção.
Fato muito comum, também, de se ver na Ásia. Por
exemplo, na Nova Guiné, há uma técnica chamada
de aproveitamento total da floresta, feita por
firmas japonesas ali instaladas as quais
simplesmente tomaram uma floresta tropical
inteira, trituraram e colocaram no navio,
levando-a para o Japão, para fazer compensado,
papelão e outros produtos; coisas tecnicamente
viáveis.
Trata-se de um processo que, até agora, não
entrou com grande pressão na Amazônia. Mas é um
procedimento que facilmente pode ocorrer no
futuro. Inclusive, porque existe a possibilidade
de uma grande procura de madeira picada, quando
acabarem os estoques de petróleo no mundo. Em
qualquer caso, a pressão sobre a floresta
amazônica tenderá sempre a aumentar, através dos
mais diversos procedimentos.
Outro problema é a questão da
inundação de áreas em que estão construídas hidroelétricas. Já a
hidroelétrica de Balbina, que pode ser vista no mapa do Projeto RADAM, é
uma área bem insignificante, mesmo em relação à Amazônia, como um todo.
E, o Plano 2010 da ELETRONORTE implica na construção de 76 barragens na
Amazônia, até o ano 2010. Trata-se de um plano anunciado em 1985, em que
era prevista a construção de 85 barragens na região. O Plano 2010
pressupõe a inundação de 2% da região Amazônica.
Vários dos problemas
que aumentam esse impacto ainda mais são evidentes no caso de Balbina,
construída ao custo, no mínimo, de 750 milhões de dólares provavelmente,
mais que um bilhão para produzir uns míseros 100 megawatts, no máximo,
destinados a Manaus. Uma iniciativa quase desnecessária, inclusive,
porque, apenas 6 anos depois de começar a funcionar, será construída a
futura hidroelétrica de Cachoeira Porteira, que suprirá Manaus,
amplamente.
Um impacto
ambiental imenso, envolvendo 2.360 km2,
de áreas a serem inundadas pelo lago da
barragem. O impacto, realmente, é ainda muito
maior do que o valor oficial. Observando-se o
reservatório de Balbina (que, por sinal, possui
150 km de comprimento - uma imensidão de águas
represadas), pode-se ver que ele é muito
diferente de outros reservatórios brasileiros. O
reservatório vai ter mais de 1.500 ilhas. Ou
seja, ele vai ser um mosaico de terras e águas:
a metade, terra; a outra metade, água.
Uma coisa que em
mapa parece mais um corte transversal de um
cérebro, ou coisa parecida; mas que, no entanto,
trata-se de um reservatório. São todas baías de
água parada, estagnada, com a floresta ainda em
pé, apodrecendo na água. Fato que ocasionará uma
água muito ácida, com possível corrosão das
turbinas e um altíssimo custo de manutenção.
Calculei que, somente para manter as turbinas,
vão se gastar mais ou menos 10% do preço da
tarifa, a ser estabelecida. Então, os impactos
são muito grandes, além dos custos propriamente
ditos, excessivamente elevados. E um deles é o
problema das ilhas.
A ELETRONORTE, na
sua revista em quadrinhos distribuída em Manaus
explica que as ilhas são uma vantagem. Isso
porque o lago da barragem contaria com inúmeras
ilhas, nas quais existiriam condições para a
preservação da vida. A idéia da Companhia é a de
que essas ilhas irão diminuir o impacto: os
animais indo se refugiar nelas ao invés de se
afogarem. Na realidade, porém, essas ilhas estão
mais ou menos duplicando o impacto do
reservatório, sendo que os animais que para elas
se dirigirem vão acabar morrendo, no auge dos
processos intercompetitivos, em espaço contido.
Sabe-se que em
setores por demais restritos, constituídos por
ilhas florestadas, a competição será feroz, como
é mais do que comprovado. Temos a comprovação
desse fato no próprio exemplo do estudo das
ilhas de mata, do projeto WWF e INPE, perto
de Manaus, onde as pequenas matas e ilhas,
deixadas no meio da pastagem, ocasionaram um
grande declínio de populações de pássaros,
macacos e todas as espécies anteriormente
existentes. Registrou-se, ainda, a morte de
árvores, simplesmente por causa do isolamento em
forma de ilhas de matas expostas ao sol por
todos os lados.
Quando faltavam, ainda, mais ou menos
3 m para encher o reservatório de Balbina, formando o lago da barragem,
já se podia avaliar a extensão da depredação, incluindo as árvores que
morriam em numerosos setores. A área inundada pela construção da
barragem é muito maior do que a maioria das pessoas possa imaginar.
Inundou-se, inclusive, parte de uma área indígena. Agora, a ELETRONORTE
apresenta o balanço total do projeto como benéfico às espécies vegetais
e animais da região, quando realmente os impactos ambientais são
altamente nocivos.
Já é longa a
listagem dos problemas que vêm ocorrendo com os barramentos fluviais
na Amazônia. Existem problemas gerais e problemas específicos para
cada caso de barragem projetada. E, em se tratando de 85 projetos,
acaba por existir uma grande área da região a ser inundada; cada
qual com seus problemas locais, bastante diferentes entre si. Alguns
dos problemas são até globais, na escala em que forem contemplados.
É bom lembrar que serão 2% da Amazônia a serem inundados por essas
hidroelétricas. E também há que se levar em conta a área
naturalmente inundada das várzeas amazônicas, que soma a 3% da área
total da região.
A várzea amazônica
é inundada sazonalmente. Foi descoberto pelo
grupo da NASA, há uns 3 anos atrás, que elas são
uma das grandes fontes de Metano na atmosfera.
Metano é um gás, CH4, que é muito
mais potente que o CO2 por tonelada,
para provocar o efeito estufa. Esse é um tipo de
contribuição natural da várzea, na categoria de
uma das fontes a Gás Metano, na atmosfera.
Imagine-se, agora, o que seria se essas áreas a
serem inundadas fossem produzir Metano, à mesma
taxa das várzeas; isso iria duplicar a
quantidade de Metano que está sendo lançada pela
região na atmosfera. Trata-se de um legítimo
problema de impactos globais. Além de outros
impactos: sobre as áreas indígenas, sobre a
floresta, impacto das linhas de transmissão,
instalações para o acesso à ilhas, entre outras
conseqüências derivadas desses projetos.
Por todas essas
razões, torna-se muito importante que sejam
fortalecidos os procedimentos para exame dos
relatórios do impacto do meio ambiente, para não
se repetir os tipos de problemas que estamos
assistindo em Carajás, em Balbina, em Rondônia e
outras áreas. E, isso, é uma das exigências da
nova Constituição. Daí porque julgo que é muito
importante enfrentar, de maneira enfática, tais
questões, para não correr o risco dos impactos
que certamente ocorrerão. Entre outros
procedimentos, que necessitam ser feitos, temos
que ter em mente o entendimento das verdadeiras
causas do desmatamento.
Nesse particular,
existem coisas fáceis de se fazer. Não aceitar
pastagem como benfeitoria para fins de
estabelecimento de posse da terra, procedimento
que eliminaria um dos grandes motivos da
progressão do desmatamento na região.
Desestimular ao máximo a especulação com terras:
outro grande motivo de desmatamento. Existe um
forte grupo de pessoas desmatando, queimando e
plantando pastagem para segurar a terra para que
outros não entrem nelas, com receio dos
posseiros, grileiros ou da Reforma Agrária. Ou o
que quer que seja. Existe, sempre, na Amazônia,
alguém tirando o lucro disso tudo.
Por essa razão, há
que se colocar impostos sobre os lucros de
valorização das terras: um procedimento que
poderia ser feito com um simples decreto, sem
gastar um tostão do Governo. Outra precaução é a
de não construir estradas para as áreas de solos
inférteis, como foi o caso da BR-429, em
Rondônia, que atravessa setores totalmente
inférteis da região. E, a última recomendação, é
a de cortar todos os incentivos. Não somente
novos incentivos; e, não só os incentivos de
pecuária. Mas, também, os incentivos para
serrarias, para ferro gusa, e outros projetos. E
somente utilizar florestas que sejam
auto-sustentáveis.
Felizmente, já existem várias
propostas para uso auto-sustentável das florestas amazônicas. Por
exemplo, fazendo reservas extrativistas para retirar, lentamente,
produtos de valor da floresta. E, entre outros procedimentos, o da
manutenção da própria floresta em pé, para o pleno desenvolvimento de
suas funções ambientais. Uma proposição das mais importantes entre as
que realmente importam. É absolutamente necessário o encontro de
fórmulas para o uso da floresta, que não retirem as suas funções
ambientais e a sua diversidade biológica. Para isso é que deveriam
existir tipos especiais de incentivos, a fim de não perder a
oportunidade única de continuar contando com os efeitos ambientais da
floresta.
É certo que, a partir de muitas
cabeças, estão sendo repensadas, de maneira geral, as políticas
relacionadas à Amazônia. E se espera que algumas dessas mudanças possam
ser feitas a tempo, antes que aquelas tendências exponenciais de
desmatamento eliminem, para sempre, essas opções.
Philip Fearnside é
pesquisador do INPA (Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia) -
Departamento de Ecologia, Manaus.
Em Rondônia, o desmatamento está aumentando
rapidamente, fato que redunda numa perda muito
grande. Está havendo perda de toda a floresta,
com todas as espécies nela contidas. Mais do que
Isso, está se perdendo a oportunidade de se usar
a floresta como recurso renovável.
Se a Amazônia fosse totalmente desmatada ao
longo de 50 anos (avaliação não-fantasiosa, caso
continue a progressão atual do desmate), isso
corresponderia a lançar 1 bilhão de toneladas de
Carbono por ano na atmosfera.
O outro grande impacto do desmatamento é o que
atinge o ciclo hidrológico e o regime das chuvas
na Amazônia e regiões vizinhas, podendo afetar
áreas distantes, inclusive São Paulo.
(...) com a abertura da copa da floresta, com a
morte das árvores, isso acarreta, a nível
regional, uma diminuição da chuva, fato que
implica ainda em mais ressecamento na floresta,
mais mortalidade de árvores e, logo, mais
aberturas no dossel das florestas.
Felizmente, já existem várias propostas para uso
auto-sustentável das florestas amazônicas. Por
exemplo, fazendo reservas extrativistas para
retirar, lentamente, produtos de valor da
floresta. E, entre outros procedimentos, o da
manutenção da própria floresta em pé, para o
pleno desenvolvimento de suas funções
ambientais.
Transcrição da Conferência do Mês (IEA/USP):
"Destruição da Amazônia", realizada no Conselho
Universitário em 24/11/88.
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