São Paulo -
Uma nova espécie de
jararaca da Mata Atlântica de Alagoas, a Bothrops
muriciensis, foi descrita num trabalho conjunto de um
pesquisador do Instituto Butantã e de uma professora da
Universidade de Maceió. Os cientistas agora estão em busca de
mais exemplares para poder estudar o veneno da cobra. O motivo
é que as proteínas da peçonha das 20 espécies de jararaca
existentes no Brasil diferem bastante entre si, e algumas já
resultaram em patentes de fármacos importantes, utilizados
tanto como anticoagulantes como no controle da pressão
arterial.
"Apenas três exemplares
da nova espécie são conhecidos até agora, um adulto, um jovem
e um filhote", explica o herpetologista Hebert Ferrarezzi, do
Butantã que, juntamente com a professora Maria Elisa Freire
estudou e descreveu a nova espécie. Por isso mesmo o Ibama já
colocou a "muriciensis" na lista de animais ameaçados para
protegê-la da extinção, já que tudo indica que a espécie é
endêmica de uma pequena área, a reduzida mancha de Mata
Atlântica de Murici, ao Norte de Maceió. A nova cobra tem 90
centímetros, cabeça larga e seu couro apresenta desenhos
marrom-acinzentados.
Cem mil anos de evolução
Ferrarezzi explica que a nova cobra é do grupo da jararacuçu,
é um animal da mata e não do campo aberto e sua evolução deve
ter levado no mínimo cem mil anos. "A espécie se diferenciou
através de mutações ocorridas por acidente quando da cópia do
DNA", explica. Mas para que essas mutações resultem numa nova
espécie, é preciso que se fixem através da recombinação por
meio dos cruzamentos e que essas mutações tornem a cobra mais
eficiente no seu ambiente natural.
Se a esses fatores for
somado o isolamento geográfico, um rio, uma montanha que não
possa ser vencida, as cobras com as mutações vão se
multiplicando e a nova espécie é definida. Para a ciência, a
contagem das escamas ventrais e da cabeça da "Bothrops
muriciensis", que difere das outras jararacas é que levam à
conclusão de que é uma nova espécie.
300 cobras
Enquanto o mundo tem cerca de 2.500 espécies de cobras, o
Brasil tem umas 300, mas só 10% das quais são venenosas. A
última espécie de jararaca descrita antes da descoberta da "muriciensis"
foi a jararaca-anã, da ilha de Alcatraz, também descoberta por
um cientista do Instituto Butantã, Otávio Marques.
Ele conta que há dezenas
de milhares de anos, quando o Atlântico subiu e transformou
algumas montanhas da Serra do Mar em ilhas, algumas jararacas
ficaram isoladas pelo mar, e o que aconteceu a seguir foi
exatamente o mesmo que Darwin observou nas ilhas do Pacífico e
que deu origem à teoria da evolução das espécies: os pássaros,
no caso do Pacífico, e as cobras no caso brasileiro, foram se
adaptando às peculiaridades das ilhas e acabaram evoluindo
para uma nova espécie.
"Na ilha de Alcatrazes a
cobra não dispunha de roedores ou acabou com eles, sua presa
principal, e passou a dispor apenas de lagartos e lacraias
como alimento". As jararacas de menor porte foram mais capazes
de sobreviver com esse tipo de alimento e, ao longo dos
milênios, surgiu a nova espécie, uma jararaca de no máximo
meio metro e com um veneno diferenciado, extremamente eficaz
contra as presas existentes na ilha.
Uma terceira espécie, a
jararaca-ilhôa desenvolveu-se na ilha de Queimada Grande, no
litoral de São Paulo, onde a presa principal são aves
marinhas, o que levou a cobra a subir nas árvores, pouso das
aves. Isso acabou modificando também o veneno, que tem atuação
mais rápida, caso contrário a ave conseguiria voar uns poucos
metros e cair no mar, longe do alcance da cobra.